domingo, 9 de novembro de 2014

Interlúdio

      Hoje tudo parecia diferente:
   
   O céu, que sempre parecia pintado de luz, hoje parecia ter absorvido esse " tom", em suas cores fortes e misturadas, imponentes e misteriosas . Cores de transição.
  Isso era a única certeza. Não dava pra saber se os tons de vermelho, roxo, laranja, amarelo e azul escuro anunciavam o amanhecer. Ou o anoitecer...

  Estavam todos misturados, como se hoje o Artista tivesse tingido um tecido, e utilizado ele para cobrir as coisas, enquanto preparava alguma coisa  longe da minha visão.
  O que dava para saber é que eram as cores da transição. E como é de se imaginar, isso causava sensações tão variadas em mim como a paleta de cores que estava sobre mim.
  O vermelho trazia uma certa angústia. Mesmo no seu tom forte e esplendoroso, dizia com absoluta firmeza e tranquilidade : " Cuidado!"

   Mas cuidado com o quê meu Deus? - A pergunta despertou a precaução, e me faz querer parar onde estava.
 Mas como eu disse, estava tudo misturado

 O roxo estava logo ao lado dizendo o contrário, com um ar todo elegante e descontraído: " Ouse!" Ouse continuar!!!". 
   Entre os dois, conseguia ver o laranja. Bem mais leve que os outros dois. Mais iluminado também, obviamente, Mas estava distribuído em " riscos", finos e esparsos. Estava teimando para estar ali. 
 Dizia " calma", na voz mais linda que eu já ouvi. Não sei se estava tentando ficar, ou se estava chegando. Era um desses mistérios desse céu de passagem...
    O amarelo se comportava da mesma forma. Iluminava apenas alguns pontos. Mas talvez se sua voz estivesse mais forte, perderia o conforto que trazia. Ele não dizia, apenas ria.
  Uma risada que era pura leveza, que inspirava um certo otimismo. Ouso sugerir que um pingo a mais daquele amarelo, transformaria aquela leveza em peso, em quilos de riso irônico que me esmagariam. 

  
   Mas tudo estava perfeitamente disposto. O que era incrível. 
 

Também tinha o azul. Escuro e iluminado. A melhor expressão da contradição das sensações. Ocupava bastante espaço, inclusive. Enquanto o seu tom escuro parecia cobrir coisas que antes eu via , conseguia ouví-lo dizer em tom profundo e calmo : "há mais coisas do que você pode ver", sugerindo horizonte e profundidade sem limites, bem além daquele ambiente em que eu caminhava.

  Debaixo daquela luz colorida e diversa, cada objeto, cada espaço, cada flor , sob outro ponto de vista, também parecia outro.
  Desde o portão. Aquele portãozinho branco da entrada, baixinho sabe? Que vive fechado?  Hoje não brilhava,  e já estava aberto.
 As flores, que cobriam o arco de passagem, sempre lindas, alegres, convidativas e espontâneas, hoje estavam tímidas. Mesclavam tons de lilás, até os azuis mais escuros.

  Cores silenciosas. Se protegendo, enquanto o vento passava por elas.
  Não era uma brisa, nem um vendaval. Era apenas vento. Constante , determinado, e tão firme quanto um vento pode ser.
  Ele me inspirou de alguma forma, a caminhar até a porta, e parar de analisar cada detalhe do que estava acontecendo ali.
  Antes de entrar, porém, meus pés teimaram. Pareciam ter se transformado em concreto. Meus braços tremiam, tinham toda pressa que os pés recusaram. Queriam abrir aquela porta, e acabar logo com o suspense.
  O misto de reações me deixou tonta. Fechei os olhos, e resolvi respirar fundo antes de entrar.
  E então eu consegui ouvir realmente : cada voz e cada palavra daquelas cores do céu, parecia formar uma orquestra.
  Sim, era incrível, magnífico! Sons altos de roxo, leves amarelos, sons constantes e pesados de azul, com sons estridentes de vermelho, e  médios de laranja.
  Tocavam um interlúdio

 E eu pude abrir os olhos e rir aliviada. Era uma transição. Pro dia, pra noite, que importa? Para alguma coisa, isso com certeza. Para alguma coisa necessária, inevitável, e cheia de possibilidades.

    Eu entrei. Naquele dia , tudo estava realmente diferente. Como aquele céu. Como eu, quando cheguei ali.