sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Das cartas que não entreguei #4

Campo Mourão, Agosto



 Tava procurando uma carta que fiz pra você. Lembro de textos, mas eles estavam todos na mesma pasta daquele netbook branquinho que morreu há um tempo sem um backup digno.
Carta mesmo não encontrei, mas um texto enviado por pura empolgação pra minha irmã que estava em SP.
 Foi engraçado ler, confesso. Eu escrevi tentando entender e explicar porque eu gostava tanto de você. Óbvio que a paixão dá umas cores mais alegres e uma descrição bem mais bonita pro que realmente acontecia. Eu não tinha uma boa resposta. Aliás, nunca tenho.
  No começo isso sempre é um pavor, um desprezo profundo pela minha inteligência que parece sair de férias “ Como assim, você se apaixonou só de ver essa criatura? Tá doida?”  Eu grito,me dou broncas até cansar. Mas sempre já é tarde. E depois de um tempo, eu desisto de me desprezar e resolvo que ninguém escolhe quando, nem por quem se apaixonar. Decido viver essa fase doida da vida enquanto for possível, sem muitas expectativas : uma pele mais bonita, o riso mais frouxo, e uma visão maravilhada de tudo e todos já me deixa satisfeita.
 Com você não foi diferente, até porque já fazia um bom tempo que não me apaixonava e tal. Mas vamos combinar, foi quase previsível de tão clichê..
 Eu nova na cidade, caloura na faculdade: exausta de estudar pras primeiras provas, exausta de me esforçar pra conhecer a galera e me adaptar a nova vida. Fui naquele evento por obrigação, porque tudo que eu queria mesmo era dormir.
Você foi pra jogar bola.
 No meio de todas aquelas pessoas que pareciam querer nos receber bem, fui parar onde você estava. Você sorriu e pronto, senti o chão sumir. Ofereceu ajuda e não precisou mais nada pra eu esquecer até como se fala. Aquele fio de voz ridículo saiu pra dizer “ obrigada”. Você provavelmente não lembra disso. Não sei nem quando percebeu que eu gostava de você, porque eu nunca disse claramente. Mas você sabia.
Se conversamos 2 minutos foi muito. Ouvi alguém dizer seu nome, e pronto, era o suficiente pra descobrir alguma coisa, qualquer coisa , sobre você.
Tava tudo indo muito bem, naquela vibe super platônica e eu poderia manter tudo assim por meses, mas um dia começarmos a conversar. E daí já não lembro mais datas, só momentos específicos.
 Você sempre era gentil e sorridente rs, e passou a frequentar algumas coisas que eu frequentava, se aproximar. Eu estava te conhecendo um pouco mais, e continuava sem resposta pra minha pergunta. A mais convincente que achei foi a do texto que citei antes “ gosto de você porque você faz com que eu goste mais de mim”
 Isso de fato aconteceu.Fica o agradecimento aqui, embora eu não ache que você fez alguma coisa pra ajudar nesse sentido. Não leve a mal, você até era educado e atencioso. Mas nada além do necessário pra manter minha atenção em você não é verdade? Eu sabia disso. Você até parecia me admirar, mas o que você mais gostava em mim, era o tanto que eu demonstrava gostar de você.
 Então hoje eu vejo que foi isso: passamos um tempão alimentando o ego um do outro e só. Os dois morrendo de medo de sair desse lugar  cômodo que nos tornamos.
  Os passos em direção um ao outro eram sempre muito curtos e inseguros. Vontade de tomar alguma iniciativa eu tinha, mas tinha um certo trauma disso, e você não me dava segurança suficiente pra me superar nesse sentido.
Então eu esperei, procurei te conhecer, conhecer mais do mundo que você vivia que era tão diferente do meu. E foram bons meses, não tenho más lembranças da maioria deles.
Essa carta sem ser entregue? Acho que é porque passei todo o tempo que estava gostando de você ouvindo muito e falando muito pouco.
 Parecia que eu sempre tinha que me resignar, sempre escutar, sempre ter paciência, te entender e tal. Mas eu mesma nunca conseguia falar.Coisas mínimas. Não lembro nem mesmo de você perguntar qualquer coisa além do “ tudo bem” automático depois do oi. Eu vivia um turbilhão de experiências, coisas, sonhos, faculdade, trabalho, choque cultural, mas não tinha espaço pra compartilhar. Eu te achava tão lindo, e achava que isso me deixava numa situação de desvantagem com você. Tentava me afirmar em outros aspectos. Outros que você nem sequer se importava, ou muito menos demonstrava estar próximo também.
Então a distância já existia antes mesmo de você se afastar.
Eu dizia que você foi covarde , mas na verdade era inevitável encerrar antes mesmo de começar não era? Era.
E passada toda aquela dor e euforia típicas da paixão, consegui finalmente te enxergar,  e me enxergar.
   Não foi apenas covardia, diferenças, ou falta de comunicação, embora tudo isso tenha feito parte também daqueles dias.Existia um abismo entre nós, feito desde falta de afinidades até o medo de se expôr demais e perder o pouco que tínhamos.
Não construímos pontes reforçadas também. Poucas tivemos, e sempre caíam.
Não encontrei cartas porque percebi que nunca tivemos esse espaço de conversa livre e espontânea. Não se engane com o som da minha voz produzindo falas. Isso nem sempre é conversa, e pra nós, quase sempre não era. (Mesmo sendo eu, a pessoa que por amar essa troca simples e significativa é capaz de conversar até com árvores rs).
E hoje fico feliz por ver isso sem tristeza e sem arrependimento também.
 A gente gosta de falar que errando que se aprende, e nessa época aprendi muito. Aprendi inclusive que afinidade não é um bônus, é essencial. E que eu jamais podia ter esperado gostar de vc ou de qualquer pessoa pra gostar mais de mim.
 Então obrigada. Por reforçar essa lição tão básica e urgente na vida. E pela pele mais bonita, o riso mais frouxo, e a inspiração praqueles textos que sumiram.
  Espero que esteja bem...acho que não tem mais o que falar né?

                                                                          Deus abençoe, se cuida. 
                                                                                      bjo, Gabi