quarta-feira, 3 de maio de 2017

Uma imagem no espelho


 Eu fiquei um tempo olhando a imagem refletida no espelho. Não costumo fazer isso. Geralmente olho só o tempo necessário pra “ ajeitar a cara”, arrumar o cabelo, conferir alguma coisa. No máximo, em dias mais animados, tiro uma selfie em algum e saio rapidamente.
 Mas tinha algo diferente aquele dia. A imagem não estava muito nítida...
 Talvez seja o óculos,  deixando minha vista preguiçosa.  Ou a luz da tarde, que mal entra pelas cortinas do quarto e deixa tudo meio cinza.  Tem também a gripe que além de tudo, deixa a gente meio desfigurada.  Pode ser coisa da minha cabeça- pensei finalmente - enquanto separava o corretivo e o que mais iria utilizar pra me “ ajeitar”.
 Verdade que eu não tava mais olhando fixamente, mas tava pensando o que eu realmente estava fazendo com todas aquelas coisas. Eu tava tentando realçar alguma coisa, como costumo dizer quando defendo o uso de maquiagens, ou aquela hora eu tava mesmo é tentando disfarçar aquele estranhamento, e fazer a “ make de todo dia” pra ninguém mais perceber o que eu tinha visto?
Tentando me convencer da primeira hipótese, continuei executando a segunda:
Põe óculos, solta o cabelo. Pronto. Pronto? Não...ainda tem alguma coisa me incomodando. Troca a blusa, põe lenço, brinco, bolsa, sai sem olhar pra trás. Pronto. Olho de relance na tela do celular. Quem sabe era o espelho? Mas não era. E eu sabia.
Sabia o que tinha me incomodado desde o início: “ eu mal me reconheci….”
Verdade que isso as vezes acontece. Numa reação que me surpreende ou que me envergonha por exemplo. Ou quando to muito animada ou muito acabada. Os extremos tem disso, e já to acostumada a olhar e lembrar que é só mais um aspecto, uma parte do que sou e pronto. Só que não era um dia de extremos.
 Comecei a pensar no tanto que me empenhei nos últimos anos para mudar. "Nao era isso que você queria?" ouço minha própria voz com aquele consolo/censura que só quer encerrar o assunto. " Não sei..." respondo pra mim muito honestamente.
Não me entenda mal, continuo achando que mais do que um desejo, mudar é necessário, é saudável, é essencial pra não me perder no fluxo da vida que parece estar sempre em movimento.
 Penso em mudar pra ser mais livre, mais eu mesma, mais autêntica, menos o que eu acho que sou, e menos ainda o que esperam que eu seja. Mas sabe, é tudo muito bonito aqui, escrito. Na prática, surgem muitas dúvidas. Não é raro ter dificuldade em me reconhecer. Olhar o que está se formando e ter certeza de que ainda sou eu, ou de que finalmente sou eu.
 Na hora que você se perdoa por uma culpa antiga, se livra daquela tristeza que se disfarçava de melancolia nos dias de chuva, desconsidera aqueles pensamentos pessimistas e autopiedosos já automáticos de tão recorrentes, ou finalmente enfrenta aquele medo tão antigo quanto sua memória é capaz de alcançar, tudo parece lindo, leve e muito promissor. E de fato é. É um alívio enorme, uma amplidão interior quase inexpressável em palavras.
Mas é essa amplidão que pode se transformar em vazio se eu não fizer escolhas que me aproximem de mim mesma. Algumas vezes fiz escolhas pra firmar o que queria me tornar. Outras pra estabelecer limites, me reconhecer no que não gosto e não quero.
  Será que fiz as escolhas certas? Existem escolhas certas? Cada permanência é  uma afirmação, cada renúncia uma reelaboração...será que continuo seguindo na mesma direção?
 Não faz muito tempo, estava olhando pra esse mesmo espelho, e cheia de satisfação  dizia : “ Eu mudei!" sorrindo pra mim mesma, com um orgulho de quem venceu uma batalha épica entre o que era e o que se quer ser.
 Já olhei também com um certo arrependimento, uma voz sussurrada que soa quase como condenação “ eu mudei…” enquanto olho pras lembranças do que costumava estar ali e tento me convencer de que o que veio é melhor do que o se foi.
  Não, não era nenhum desses olhares que vi refletido no espelho antes de sair...era de alguém tentando " se" assimilar.
  Lembro os versos de Cecília que li esses dias " não ando perdida, mas desencontrada (...) " faz sentido e já não me incomoda estar assim.  
 Foi esse o caminho que escolhi trilhar. Tá tudo certo, só preciso me dar essa chance. E me dar esse tempo também. De me olhar com mais coragem e sensibilidade. Ver o quanto estou próxima, ou quanto ainda falta pra chegar.
 Não vai ser tão difícil, logo volto a me reconhecer. Porque se tem uma coisa que sempre acontece, é que o que não faz parte de mim, não consegue permanecer.

Imagens: tumblr e pinterest