segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Beleza - se sentir bem na própria pele

    Com certeza você já viu ou ouviu falar sobre empoderamento. Autoestima então, nem se fale. Assuntos tão comentados que geram até desconfiança pelo mau uso, mesmo sendo muito muito relevantes pra todas as pessoas.
 Confesso que faz muito tempo que penso em compartilhar algo aqui relacionado a esses temas. Mas duas coisas específicas me fizeram parar e perceber que já demorei demais pra escrever: uma experiência dos dias em SP ( calma, me aguentem só mais um pouquinho, já já viro a página rs) e  esse post do Think Olga, que parecia sincronizado com coisas que venho pensando há anos: Empoderamento e autoestima no Think Olga. 
 A experiência dos dias em SP, foi nada mais nada menos do que um convite surpreendente para ir ao desfile Fashion Weekend Plus Size Primavera/Verão 2017 ( obrigada Dani!). 
 Sabia que seria legal, mas tenho que admitir que não imaginava o quanto! 
 Eu já tinha sido uma daquelas meninas fascinadas pelo SP Fashion Week, que colecionava catálogos e fazia colagens com os encartes que vinham nas revistas ( isso com uns 8 anos). A moda das passarelas costumava me encantar, com toda aquela inovação e irreverência de roupas que ninguém usava na rua.Só que isso foi antes de eu perceber que era um mundo completamente excludente, limitado e rígido. Pra que eu pudesse estar nele, basicamente eu precisaria nascer de novo. Sempre fui maior que as meninas da minha idade. Mesmo antes de estar realmente acima do peso, sempre fui chamada e considerada gordinha. (Imagino que o diminutivo no final era pra soar bonitinho rs). Meu foco aqui definitivamente não é o que falavam. Até porque hoje penso que a questão não é essa, mesmo que sejam todas as pessoas que eu conheço.   O que acaba fazendo diferença é o que EU acredito. SE EU acato e acolho essas palavras como verdade ou não. Agora, claro que quando se é uma criança sem nenhuma roupa legal do seu tamanho, zoações constantes, e uma estima nula, que sempre se apoiou e foi construída a partir das palavras dos outros, minha visão era essa mesma : Sou gorda, e isso é péssimo. Isso é péssimo porque me impede de usar roupas normais, que dirá as legais. E mil outras desvantagens que passei a atribuir a essa certeza que aceitei de graça:  Ser gordo é feio, é ruim, é péssimo, é minha culpa, é coisa de gente preguiçosa, desleixada, e por aí vai ( o preconceito existe, e se multiplica disfarçado de preocupação com a saúde, quase sempre). Eu nem era tanto. Mas comparada ao padrão irreal não tinha espaço pra mim mesmo. Hoje não vou nem entrar no assunto da cor da pele ou cabelo. Basta dizer que quem quer me elogiar até hoje, diz que sou branca, que não sou gorda, e que meu cabelo é cacheado, mas é diferente (pelamor né? seria engraçado se não fosse tão comum esse pensamento).
  A minha relação com a moda se tornou conturbada, só um reflexo da minha relação comigo mesma. Usar roupa masculina e super larga foi a solução. Ainda mais porque eu queria demonstrar de qualquer forma que era totalmente contra o que se pregava por aí com relação aos corpos e roupas. Mas isso não me fazia menos frustrada comigo, porque ainda não conseguia me enxergar com clareza. Isso foi um processo. De quase 10.000 dias até agora rs, porque é basicamente o processo de toda a vida, e ainda não terminou. 
  Poderia inclusive escrever ou falar mil coisas sobre isso, mas vamos pular pra parte boa: graças a Deus, a história deu uma reviravolta gigantesca, e parte disso devo ao fato de ter começado a conhecer o mundo Plus Size ( já tinha uns 17 anos nessa época).
  Foi aí que comecei a entender:a questão não era ser. Era me ver bonita.E isso fez toda a diferença.
 Daí você pára de ler e pergunta: que tanto essa menina ta falando dela? Dos sentimentos, traumas e experiências limitadas? Te digo porquê: porque foi quando comecei a olhar pra construção da minha história, que comecei a me empoderar ;). E empoderada todas as outras áreas da vida mudaram, porque isso se estende, reflete, ecoa por aí em dimensões impressionantes. 
   
 Descobri de curiosa, os blogs  Grandes Mulheres e o Entre Topetes e Vinis, em 2010 mais ou menos. Comecei a ler, e tentar incluir na vida aquilo que eu via em todos os posts:  elas se amavam. Se sentiam bem na própria pele. E sabiam que ISSO é transformador. Elas inspiravam a mudar os questionamentos. Parar de perguntar: " Por que eu nasci assim, ou por que eu não emagreço, ou por que tenho tal característica ao invés daquela? "  e passar a fazer perguntas muito mais produtivas e coerentes : "Por que eu acho que é preciso ter isso ou ser aquilo pra me sentir bonita?, ou por que eu não gosto do que eu vejo?
 Porque na boa, eu detestava. Olhar no espelho? Não, obrigada. Comprar roupa? Que martírio. Nada serve. Até aí, já tinha feito milhares de regimes. Não digo todos, porque todo dia inventam um. O resultado era frustração e muitas vezes, mais quilos. 
 Claro que não mudou minha visão toda de uma vez. O complicado desses processos é que implicam necessariamente numa desconstrução primeiro. E isso dói, desestabiliza, é uma coisa muito doida e insegura. Mas é profundamente necessária pra quem quer mudar. E eu queria, como eu queria ! 
  Então eu vi essa bendita frase que me atingiu como uma bomba e desconstruiu tudo que eu tinha questionado até ali "Se sentir bem na própria pele." 
 Mesmo lendo as duas divas que super viviam isso, eu nunca tinha pensado que isso seria possível. Até porque, mesmo vendo uma luz no fim do túnel no mundo plus size, tinha outros aspectos em mim que ficavam de fora: cabelo e pele por exemplo. (É suuper mais recente toda a supervalorização de cachos. Até ontem ninguém sabia sequer mexer com eles. E a pele ainda é mais ou menos assim: ou você é branca ou negra. Mas quem é moreno? Pardo? Todos esses tons mestiços que são parte do povo brasileiro? Rende outros posts esses dois aspectos). 
  A questão é que isso é um problema, e claramente não era só meu. 
 O sistema mundial lucra horrores com nossa insegurança. Horrores mesmo. Em todos os sentidos. São indústrias e indústrias de bilhões de dólares, que geram outros milhares de problemas além da sua depressão, que já é ruim o suficiente. Elas se alimentam da criação de novos estereótipos. E como disse minha sábia mamys, sempre substituindo o anterior, por um completamente oposto. Justamente pra gerar maior consumo da nossa parte. A escravidão de mão de obra por exemplo, os problemas ambientais, só para citar assuntos que a gente nunca relaciona. Sem falar em transtornos alimentares, marcas e mais marcas de cosméticos, alimentos milagrosos, livros de auto-ajuda, e por aí vai.
 Percebe como uma mudança aparentemente "pequena" pode desencadear outras tantas urgentes? 
 Digo pequena pra você que ainda não percebeu o quanto isso é importante.
 Por isso fiz esse post que ficou milhões de vezes maior do que eu gostaria. Pra te incentivar a no mínimo, pensar sobre isso. 
  Campanha Dove pela Real BelezaStop the beauty madnessBonita Também“ são exemplos de vozes que tem se levantado pra mudar essa história. 
  No desfile, o que eu presenciei foi uma alegria contagiante, uma confiança transbordante, belezas que inspiravam. Foi inexplicavelmente emocionante estar ali. Não foi " só um desfile".  Pra mim é um desfile de lutas e conquistas. De histórias de pessoas reais que dão esperança pra mim e pra você que quer se olhar no espelho e se sentir bem na própria pele. Foi como respirar um ar puro da diversidade, depois de anos em lugares onde todo mundo quer ser igual, e parece se empenhar e conseguir fazer isso muito bem. Tenho a vantagem de sempre ter valorizado muito o que é diferente.  De forma exagerada até, talvez. Mas pra mim, sempre o que é bonito, melhor, interessante, rico em inspiração é o diferente. Mesmo nas minhas frustrações da vida com o q eu era eu me firmava nisso : pelo menos sou diferente! Hoje eu percebo o quanto  isso é o máximo. O quanto é libertador e poderoso ser você mesmo, com todas as riquezas e limitações. 
 É difícil acreditar nisso quando tudo que é valorizado e considerado bom é feito em larga escala. Ou pelo menos feito de forma suficiente a gerar imitação, padronização e adivinha só?  Consumo.  
 Mas posso dizer que nesse desfile eu me senti privilegiada. De ver que sim, todas as pessoas, de todos os “ tipos”, tem beleza pra mostrar. Todas. Mas é preciso primeiro enxergar. E depois que a gente consegue enxergar, transborda. Todo mundo vê. E toca as pessoas de forma diferente, é algo genuíno, livre. Inspira e traz esperança. Justamente por ser contrária a outra forma que gera morte, gera vida.  
 A beleza fabricada e condicionada por padrões gera competição, frustração. Oprime.
 Eu realmente valorizo a liberdade. Não aceito nem me conformo com essas formas de controle e opressão que nos matam diariamente. ( matam, não é exagero. Veja as estatísticas de gente que morre com transtornos alimentares, depressão, cirurgias estéticas loucas e desnecessárias, bullying que vira um suicídio). 
  Pra fechar com chave de ouro, além de todo empoderamento e alegria que contagiaram o evento,  conheci, conversei e tirei  foto com as duas lindas dos blogs que mudaram minha forma de ver  tanta coisa.  Se já não bastasse essa emoção, que quase me fez desmaiar,  Ju Romano, sim, ela mesma,  disse que “ amava meu cabelo”...eu quase chorei!
 Respondi qualquer coisa, fiquei sem palavras. Mas pensei “ hoje eu também amo.” 
 No fim das contas, o que eu quero dizer é: a moda dos cachos vai passar. A dos corpos magros, ou musculosos, ou curvilíneos, todas passam. O que vai ficar? 
 Eu, e você.  Porque seu cabelo é seu, não é moda. Sua cor é sua, não depende da moda. Seu tamanho, ou biotipo também é seu,  por mais que existam milhões de recursos pra mudar tudo isso. 

E claro :não somos apenas isso, aparência. Mas ela faz parte.
Só não se engane.  Auto estima e empoderamento são questões muito mais amplas do que estamos acostumados a pensar. É uma luta diária. Primeiro em nós mesmos. Porque só assim teremos condição para entrar e permanecer em lugares e situações desfavoráveis com convicção. 

 É uma luta que vale a pena. Todo esforço. 
 Como já dizia o slogan da Loreal, que soube usar um argumento profundamente verdadeiro : “ Porque você vale muito!"

Uma dica de música bonita sobre isso : Try- Colbie Caillat

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Nem tudo são flores....

  E apesar do clichê, é exatamente isso que eu preciso falar. Falei de 1 dos dias incríveis que passei em SP. Foram 20 , e no meio deles, algumas questões que vivo e questiono há anos, também se destacaram.
  To falando de Feminismo. Assédio. Respeito.
  São questões antigas, mas recorrentes na vida, e recentemente na mídia, desde aquelas campanhas “ chega de fiu-fiu” , "meu primeiro assédio", e outras que movimentaram as redes sociais. Mas eu mesma, não consegui escrever.
  Apoiei de outras formas. Porém para escrever, a gente precisa parar pra lembrar, pensar com uma certa concentração em coisas que eu não gostaria que existissem. 
  Eu sou feminista. Se você me conhece mesmo, provavelmente já sabia disso. Mas tem aquela galera que me conhece e finge que não percebe, ou que não me conhece mesmo e vem aqui por curiosidade, daí acho melhor deixar isso claro pra todos. Também vale lembrar que minha perspectiva aqui é pessoal. 
 Existem blogs fantásticos  e esclarecedores que falam sobre os temas com muito mais detalhes do que eu. Think Olga é um deles.Escreva Lola Escreva, e Geledés, Só pra citar alguns exemplos.
 E se você é daqueles que pensa que feminista é aquela que queima sutiãs e odeia os homens, ou apenas quer mais dicas pra se situar no assunto, tem esse vídeo curtinho e muito bom à respeito  Você não é feminista?, ou a fala perfeita da linda Chimamanda Ngozi Adichie aqui- Chimamanda - deveríamos todos ser feministas.

  Dadas as explicações, voltemos ao “ nem tudo são flores”.
 De fato, não são. Todos os dias vejo ou vivo situações ridículas e desnecessárias de assédio. Sim, assédio ( saiba mais aqui).
 Direto me pego pensando, se existe alguma coisa no Universo que faça vocês homens se sentirem tão mal como nós nos sentimos quando vocês nos olham como um pedaço de carne ( vou generalizar mesmo).
  Se existir, eu gostaria muito, do fundo do coração que vocês passem por isso. Repetidamente. Não é por nada, mas “ quem sabe assim, vocês aprendem”.
 Porque é inexplicável o que sentimos nessas horas. Não to aqui dizendo que EU sou olhada assim todos os dias. Mas quando não, vejo esse olhar direcionado pra outras mulheres. E isso é igualmente terrível pra mim.
  Antes eu achava que a culpa era minha : "Quem mandou sair de shorts? Deixa o shorts só pra praia então. Não senti muita diferença usando calças. “ Vamos usar bem largas, deve ser isso”. Mas não era.
  "A blusa deve ta justa ainda”. Camisetões é a solução. Só que não. Saia, vestido? Claro que não. Me deixa muito feminina. Eu não quero isso, porque aparentemente, isso me traz problemas. É desconfortável também."
  E aí você começa a entrar numa paranóia de se tornar invisível O que é impossível. E até você pára de se ver. Um estrago descomunal.
 Quantas vezes você já pensou em trocar de roupa pra ir na padaria,pensando que no caminho poderia passar por lugares onde existe a possibilidade de receber esse olhar horroroso? Falando por mim, incontáveis.
 Quantas vezes você trocou de roupa, mesmo fazendo um calor do deserto, porque sabia, que se colocasse uma roupa “ mais aberta”, a culpa de ser assediada seria sua, que saiu na rua “ querendo dar”? ( ah vai dizer que nunca ouviu essa frase? Ou pior, disse?)
 Pensar ou ouvir essas coisas é tão comum que mal pensamos que ISSO não pode ser normal.Alguém precisa falar que todo incômodo e questionamento ao trocar de roupa é legítimo.
 A roupa é só uma parte desse problema imenso. Renderia mil posts também, mas hoje eu só quero pontuar. Porque de fato, durante toda a minha curta vida, e principalmente esses dias que passeei sozinha, por mais que achasse isso o cúmulo, não tive coragem de sair de shorts por aí num dia quente por exemplo.  
 Você pode estar pensando: "mas você é paranoica".  Super preferia ser. Mas vou contar duas experiências ruins desses dias, que demonstram como estamos sujeitos a esse tipo de constrangimento todos os dias em qualquer lugar. E isso não ta certo. Não é justo. Não pode nunca se tornar normal.
  A primeira foi no dia que fui ao centro velho. Tava um frio de uns 10 graus. Pra SP, um gelo. Eu estava de sobretudo preto, calça jeans, tênis e uma touca dessas grandes, azul escura. Mal dava pra ver meu rosto, de tão coberta que eu tava. Única coisa em mim que tinha cor e sim chamava a atenção, era um batom vermelho.
 Fui de metrô. Meu plano era fazer coisas que nunca fiz, então o caminho seguia esse mesmo pensamento. Acabei passando por uma rua que dava acesso ao Vale do Anhangabaú, onde estavam várias barracas de moradores de rua, bem embaixo de um tipo de viaduto. Percebi q era a única que não tinha virado à direita pra desviar desse trecho. Mas achei melhor ir. Ridículo seria dar meia volta a essa altura.
 Das barracas, uma moça apareceu e gritou “ ajuda nóis moça”, e um rapaz saiu de outra barraca, e veio me pedir ajuda também. Eu não tinha, pedi desculpas, e ele agradeceu e voltou pra barraca. Pronto.Dois passos a frente do viaduto, começa uma fileira imensa de carros da CET ( Companhia de Engenharia de Tráfego) um ao lado do outro, com seus motoristas ao lado dos carros, conversando. Era um trecho longo, com muitos, muitos carros mesmo.
 Pensei “ olha, trabalhadores do Brasil, não tem carro aqui, mas tá bom. São tipo guardas, devem estar guardando alguma coisa”.
 Não deu tempo de terminar minhas especulações sobre o quê eles estavam fazendo ali. Antes de me dar conta do maldito olhar, já comecei a ouvir gritos e palavras obscenas.
 Que ódio que eu senti naquele momento! O maior esforço pra me fazer de surda, e felizmente não lembro de nenhuma das palavras que disseram. Mas lembro o terror que eu senti de passar ali.
  Presta atenção: era MEIO DIA. Tava sol, eu tava num local público. As pessoas estavam andando por ali, embora mais pra cima na praça, ou um pouco mais pra baixo. Provavelmente porque aquele caminho não era mesmo o mais rápido pra chegar nos lugares interessantes ali.
  Mas repare no absurdo : sentir medo de andar na rua, as 12:00, porque seres retardados, pensam que tem o direito de tratar outro ser humano como bem entendem?
 " Mas ninguém fez nada" alguns podem pensar.Realmente, graças a Deus por isso. Eu não sei quantos homens tinham ali. Mas sei que eu só estava andando. E a primeira reação é : nunca mais passo nesse lugar.
  É justo isso? É certo? O que eu fiz além de andar? Nada. Mas se eu reclamasse pra alguém, certeza que pelo menos uma vez ouviria " Quem mandou andar ali sozinha?". O que não vale a pena nem comentar.
 A segunda situação que vou falar é mais estúpida ainda. Mas decidi compartilhar porque percebi que esse medo e a vergonha ilegítimas que sentimos ao sermos assediadas só fortalece essa cultura do estupro. E que independe do lugar, não só da hora.
  Dessa vez eu estava no shopping. 19:00 da noite, esperando uma amiga.Um shopping super familiar. Altas crianças andando de um lado pro outro.
  Descrevo minha roupa pra você que pensa que isso faz alguma diferença se convencer logo que não tem: calça jeans larga, dobrada com cortuno,moletom. Isso mesmo, moletom. Não era justo. Cabelo solto, batom forte. Tá, isso chama atenção. Me julgue por isso então, santo ou santa leitora.
  Estava caminhando no corredor, quando dois rapazes que vinham da direção contrária, que estavam do outro lado do corredor começaram a direcionar os passos pra minha direção, de frente. Eu não os conhecia, fui me afastando pra dar espaço, em direção às vitrines. Eles continuaram vindo mais perto.
  Ao passarem por mim, questão de segundos, o que estava do meu lado, enfiou a cara no meu cabelo, e passou tão perto, tão perto do meu pescoço, que eu quase me joguei na vitrine pra não deixar ele encostar em mim.
  Passando, eles riram. E eu, fiquei em choque. Não tive coragem sequer de olhar pra trás.
  E na hora, parece que vem tudo junto na sua cabeça: raiva, vergonha, uma vergonha tão grande que dá vontade de sumir. Ao mesmo tempo que surge aquele pensamento: mas não foi nada, isso foi coisa da sua cabeça. Você é doida. Paranoica. Eles não fizeram nada.
  Passei uns segundos lutando com esses dois sentimentos. 
Gente, eu gostaria muito de ter tido coragem e voz pra falar praquele cara que ele essa aproximação foi totalmente invasiva. Quem ele pensava que é, pra chegar tão perto de alguém que ele nunca viu? Pra que? Baseado em que?
 Me senti desrespeitada e impotente. E sabia que não poderia falar com ninguém.Porque os seguranças diriam: mas ele fez o que, te agarrou?
  Percebe como classificamos assédio sempre por parâmetros físicos? Embora, eu tenha certeza que só não foi físico porque eu colei no vidro,  e me esquivei tudo que era possível,e nenhum dos dois parou de andar.
  Nada justifica. Não pra mim. Mas se você é dos que olham mulheres como objetos, ou considera os homens superiores, essas ações são legítimas e não tem nada de mais.
E eu resolvi falar dessas duas situações pq são muito recentes, e comuns, e servem para alimentar medos absurdos em nós. Não tenho intenção de fazer um ranking dos " piores assédios que já sofri na vida". Óbvio que tiveram situações piores. 
 Numa lista de 84 países, Brasil está em 5º no ranking de violência contra a mulher. Só pra citar um exemplo. E estamos falando de violência física nessa pesquisa. Se considerássemos violência psicológica, que é o caso do assédio, os números mostrariam o que nós mulheres estamos cansadas de saber: a situação é pior do que se imagina, ou se mostra por aí.
  “ Para serem mais seguras, as pessoas acabam se dispondo a correr o risco de serem menos livres” Alexander Hamilton ( paráfrase minha, trecho do livro Tempos Líquidos, de Zygmunt Bauman).
  O medo paralisa, e reforça os estereótipos de violência que alguns homens representam. Ficamos inseguras ao passar perto de qualquer um, vai saber se eles pensam que somos seres humanos também!
 Não me diga pra ignorar assédio. A gente tenta. Finge que não ouve e não vê. Põe fone, atravessa a rua. Põe a bolsa a tiracolo pra esconder alguma coisa. Olha pro chão. Faz de tudo pra parecer invisível.
  Mas a gente sente na alma essa merda desse olhar, mesmo quando fingimos não ver. Nos diminuindo completamente. Intimidando e causando raiva. As vezes raiva de ser mulher, as vezes raiva de vocês homens.
 E resolvi falar não só pra desabafar. 
 Foi também pra  te pra te encorajar, mulher que lê esse blog, a refletir sobre esses medos e raivas absurdos que sentimos as vezes sem saber por quê. E ver o que eles estão afetando na sua vida, na sua liberdade de ser, e ir, e viver.
  Eu não posso mudar o que já foi. Não fiz nada praquele babaca do shopping. Nem sei o que eu poderia fazer, sinceramente.
  Mas decidi que foi a ultima vez que deixei a vergonha de uma coisa que não fiz me paralisar, ou de acolher esse pensamento“ Aff, deixa isso pra lá. infelizmente isso é normal, ainda bem que não aconteceu nada comigo”.
  Não, não é normal. E escrever aqui é o mínimo que eu faço pra dizer que não vou mais deixar pra lá.
  Homens que lêem isso aqui, espero que meu tom de generalização e desabafo faça vocês refletirem. Mesmo que vocês não sejam babacas ao ponto de agir como esses que eu citei.
 Mas por favor, repensem os seus conceitos. A forma como você se vê e nos vê é tão importante pra mudar essa história quanto nosso empoderamento.
 Não se trata de uma luta de classes, ou sexista. O nosso direito assegurado, reflete em um mundo melhor pra você também, pode ter certeza.
 O direito de sermos respeitadas, minimamente. Independente da roupa, lugar e horário que estivermos.
  Minha esperança com esse post não é simplesmente aliviar meus pensamentos, pq provavelmente continuarei pensando a respeito , e lutando por um mundo onde tenhamos mais representatividade e direitos assegurados.
  Mas é confrontar você também que está lendo. A pensar sobre essas coisas “ simples e bobas “ que acontecem diariamente. E como você se envolve nelas. Se você faz parte ou não. Porque se não te afeta, também é bom repensar.
  
Créditos das fotos:
Flores-Beatriz Ramos fotografia
Muro- Perfil do Instagram: Filhas de Frida
Poesia-Pó de Lua e Noites em Claro- Clarice Freire