terça-feira, 9 de agosto de 2016

Nem tudo são flores....

  E apesar do clichê, é exatamente isso que eu preciso falar. Falei de 1 dos dias incríveis que passei em SP. Foram 20 , e no meio deles, algumas questões que vivo e questiono há anos, também se destacaram.
  To falando de Feminismo. Assédio. Respeito.
  São questões antigas, mas recorrentes na vida, e recentemente na mídia, desde aquelas campanhas “ chega de fiu-fiu” , "meu primeiro assédio", e outras que movimentaram as redes sociais. Mas eu mesma, não consegui escrever.
  Apoiei de outras formas. Porém para escrever, a gente precisa parar pra lembrar, pensar com uma certa concentração em coisas que eu não gostaria que existissem. 
  Eu sou feminista. Se você me conhece mesmo, provavelmente já sabia disso. Mas tem aquela galera que me conhece e finge que não percebe, ou que não me conhece mesmo e vem aqui por curiosidade, daí acho melhor deixar isso claro pra todos. Também vale lembrar que minha perspectiva aqui é pessoal. 
 Existem blogs fantásticos  e esclarecedores que falam sobre os temas com muito mais detalhes do que eu. Think Olga é um deles.Escreva Lola Escreva, e Geledés, Só pra citar alguns exemplos.
 E se você é daqueles que pensa que feminista é aquela que queima sutiãs e odeia os homens, ou apenas quer mais dicas pra se situar no assunto, tem esse vídeo curtinho e muito bom à respeito  Você não é feminista?, ou a fala perfeita da linda Chimamanda Ngozi Adichie aqui- Chimamanda - deveríamos todos ser feministas.

  Dadas as explicações, voltemos ao “ nem tudo são flores”.
 De fato, não são. Todos os dias vejo ou vivo situações ridículas e desnecessárias de assédio. Sim, assédio ( saiba mais aqui).
 Direto me pego pensando, se existe alguma coisa no Universo que faça vocês homens se sentirem tão mal como nós nos sentimos quando vocês nos olham como um pedaço de carne ( vou generalizar mesmo).
  Se existir, eu gostaria muito, do fundo do coração que vocês passem por isso. Repetidamente. Não é por nada, mas “ quem sabe assim, vocês aprendem”.
 Porque é inexplicável o que sentimos nessas horas. Não to aqui dizendo que EU sou olhada assim todos os dias. Mas quando não, vejo esse olhar direcionado pra outras mulheres. E isso é igualmente terrível pra mim.
  Antes eu achava que a culpa era minha : "Quem mandou sair de shorts? Deixa o shorts só pra praia então. Não senti muita diferença usando calças. “ Vamos usar bem largas, deve ser isso”. Mas não era.
  "A blusa deve ta justa ainda”. Camisetões é a solução. Só que não. Saia, vestido? Claro que não. Me deixa muito feminina. Eu não quero isso, porque aparentemente, isso me traz problemas. É desconfortável também."
  E aí você começa a entrar numa paranóia de se tornar invisível O que é impossível. E até você pára de se ver. Um estrago descomunal.
 Quantas vezes você já pensou em trocar de roupa pra ir na padaria,pensando que no caminho poderia passar por lugares onde existe a possibilidade de receber esse olhar horroroso? Falando por mim, incontáveis.
 Quantas vezes você trocou de roupa, mesmo fazendo um calor do deserto, porque sabia, que se colocasse uma roupa “ mais aberta”, a culpa de ser assediada seria sua, que saiu na rua “ querendo dar”? ( ah vai dizer que nunca ouviu essa frase? Ou pior, disse?)
 Pensar ou ouvir essas coisas é tão comum que mal pensamos que ISSO não pode ser normal.Alguém precisa falar que todo incômodo e questionamento ao trocar de roupa é legítimo.
 A roupa é só uma parte desse problema imenso. Renderia mil posts também, mas hoje eu só quero pontuar. Porque de fato, durante toda a minha curta vida, e principalmente esses dias que passeei sozinha, por mais que achasse isso o cúmulo, não tive coragem de sair de shorts por aí num dia quente por exemplo.  
 Você pode estar pensando: "mas você é paranoica".  Super preferia ser. Mas vou contar duas experiências ruins desses dias, que demonstram como estamos sujeitos a esse tipo de constrangimento todos os dias em qualquer lugar. E isso não ta certo. Não é justo. Não pode nunca se tornar normal.
  A primeira foi no dia que fui ao centro velho. Tava um frio de uns 10 graus. Pra SP, um gelo. Eu estava de sobretudo preto, calça jeans, tênis e uma touca dessas grandes, azul escura. Mal dava pra ver meu rosto, de tão coberta que eu tava. Única coisa em mim que tinha cor e sim chamava a atenção, era um batom vermelho.
 Fui de metrô. Meu plano era fazer coisas que nunca fiz, então o caminho seguia esse mesmo pensamento. Acabei passando por uma rua que dava acesso ao Vale do Anhangabaú, onde estavam várias barracas de moradores de rua, bem embaixo de um tipo de viaduto. Percebi q era a única que não tinha virado à direita pra desviar desse trecho. Mas achei melhor ir. Ridículo seria dar meia volta a essa altura.
 Das barracas, uma moça apareceu e gritou “ ajuda nóis moça”, e um rapaz saiu de outra barraca, e veio me pedir ajuda também. Eu não tinha, pedi desculpas, e ele agradeceu e voltou pra barraca. Pronto.Dois passos a frente do viaduto, começa uma fileira imensa de carros da CET ( Companhia de Engenharia de Tráfego) um ao lado do outro, com seus motoristas ao lado dos carros, conversando. Era um trecho longo, com muitos, muitos carros mesmo.
 Pensei “ olha, trabalhadores do Brasil, não tem carro aqui, mas tá bom. São tipo guardas, devem estar guardando alguma coisa”.
 Não deu tempo de terminar minhas especulações sobre o quê eles estavam fazendo ali. Antes de me dar conta do maldito olhar, já comecei a ouvir gritos e palavras obscenas.
 Que ódio que eu senti naquele momento! O maior esforço pra me fazer de surda, e felizmente não lembro de nenhuma das palavras que disseram. Mas lembro o terror que eu senti de passar ali.
  Presta atenção: era MEIO DIA. Tava sol, eu tava num local público. As pessoas estavam andando por ali, embora mais pra cima na praça, ou um pouco mais pra baixo. Provavelmente porque aquele caminho não era mesmo o mais rápido pra chegar nos lugares interessantes ali.
  Mas repare no absurdo : sentir medo de andar na rua, as 12:00, porque seres retardados, pensam que tem o direito de tratar outro ser humano como bem entendem?
 " Mas ninguém fez nada" alguns podem pensar.Realmente, graças a Deus por isso. Eu não sei quantos homens tinham ali. Mas sei que eu só estava andando. E a primeira reação é : nunca mais passo nesse lugar.
  É justo isso? É certo? O que eu fiz além de andar? Nada. Mas se eu reclamasse pra alguém, certeza que pelo menos uma vez ouviria " Quem mandou andar ali sozinha?". O que não vale a pena nem comentar.
 A segunda situação que vou falar é mais estúpida ainda. Mas decidi compartilhar porque percebi que esse medo e a vergonha ilegítimas que sentimos ao sermos assediadas só fortalece essa cultura do estupro. E que independe do lugar, não só da hora.
  Dessa vez eu estava no shopping. 19:00 da noite, esperando uma amiga.Um shopping super familiar. Altas crianças andando de um lado pro outro.
  Descrevo minha roupa pra você que pensa que isso faz alguma diferença se convencer logo que não tem: calça jeans larga, dobrada com cortuno,moletom. Isso mesmo, moletom. Não era justo. Cabelo solto, batom forte. Tá, isso chama atenção. Me julgue por isso então, santo ou santa leitora.
  Estava caminhando no corredor, quando dois rapazes que vinham da direção contrária, que estavam do outro lado do corredor começaram a direcionar os passos pra minha direção, de frente. Eu não os conhecia, fui me afastando pra dar espaço, em direção às vitrines. Eles continuaram vindo mais perto.
  Ao passarem por mim, questão de segundos, o que estava do meu lado, enfiou a cara no meu cabelo, e passou tão perto, tão perto do meu pescoço, que eu quase me joguei na vitrine pra não deixar ele encostar em mim.
  Passando, eles riram. E eu, fiquei em choque. Não tive coragem sequer de olhar pra trás.
  E na hora, parece que vem tudo junto na sua cabeça: raiva, vergonha, uma vergonha tão grande que dá vontade de sumir. Ao mesmo tempo que surge aquele pensamento: mas não foi nada, isso foi coisa da sua cabeça. Você é doida. Paranoica. Eles não fizeram nada.
  Passei uns segundos lutando com esses dois sentimentos. 
Gente, eu gostaria muito de ter tido coragem e voz pra falar praquele cara que ele essa aproximação foi totalmente invasiva. Quem ele pensava que é, pra chegar tão perto de alguém que ele nunca viu? Pra que? Baseado em que?
 Me senti desrespeitada e impotente. E sabia que não poderia falar com ninguém.Porque os seguranças diriam: mas ele fez o que, te agarrou?
  Percebe como classificamos assédio sempre por parâmetros físicos? Embora, eu tenha certeza que só não foi físico porque eu colei no vidro,  e me esquivei tudo que era possível,e nenhum dos dois parou de andar.
  Nada justifica. Não pra mim. Mas se você é dos que olham mulheres como objetos, ou considera os homens superiores, essas ações são legítimas e não tem nada de mais.
E eu resolvi falar dessas duas situações pq são muito recentes, e comuns, e servem para alimentar medos absurdos em nós. Não tenho intenção de fazer um ranking dos " piores assédios que já sofri na vida". Óbvio que tiveram situações piores. 
 Numa lista de 84 países, Brasil está em 5º no ranking de violência contra a mulher. Só pra citar um exemplo. E estamos falando de violência física nessa pesquisa. Se considerássemos violência psicológica, que é o caso do assédio, os números mostrariam o que nós mulheres estamos cansadas de saber: a situação é pior do que se imagina, ou se mostra por aí.
  “ Para serem mais seguras, as pessoas acabam se dispondo a correr o risco de serem menos livres” Alexander Hamilton ( paráfrase minha, trecho do livro Tempos Líquidos, de Zygmunt Bauman).
  O medo paralisa, e reforça os estereótipos de violência que alguns homens representam. Ficamos inseguras ao passar perto de qualquer um, vai saber se eles pensam que somos seres humanos também!
 Não me diga pra ignorar assédio. A gente tenta. Finge que não ouve e não vê. Põe fone, atravessa a rua. Põe a bolsa a tiracolo pra esconder alguma coisa. Olha pro chão. Faz de tudo pra parecer invisível.
  Mas a gente sente na alma essa merda desse olhar, mesmo quando fingimos não ver. Nos diminuindo completamente. Intimidando e causando raiva. As vezes raiva de ser mulher, as vezes raiva de vocês homens.
 E resolvi falar não só pra desabafar. 
 Foi também pra  te pra te encorajar, mulher que lê esse blog, a refletir sobre esses medos e raivas absurdos que sentimos as vezes sem saber por quê. E ver o que eles estão afetando na sua vida, na sua liberdade de ser, e ir, e viver.
  Eu não posso mudar o que já foi. Não fiz nada praquele babaca do shopping. Nem sei o que eu poderia fazer, sinceramente.
  Mas decidi que foi a ultima vez que deixei a vergonha de uma coisa que não fiz me paralisar, ou de acolher esse pensamento“ Aff, deixa isso pra lá. infelizmente isso é normal, ainda bem que não aconteceu nada comigo”.
  Não, não é normal. E escrever aqui é o mínimo que eu faço pra dizer que não vou mais deixar pra lá.
  Homens que lêem isso aqui, espero que meu tom de generalização e desabafo faça vocês refletirem. Mesmo que vocês não sejam babacas ao ponto de agir como esses que eu citei.
 Mas por favor, repensem os seus conceitos. A forma como você se vê e nos vê é tão importante pra mudar essa história quanto nosso empoderamento.
 Não se trata de uma luta de classes, ou sexista. O nosso direito assegurado, reflete em um mundo melhor pra você também, pode ter certeza.
 O direito de sermos respeitadas, minimamente. Independente da roupa, lugar e horário que estivermos.
  Minha esperança com esse post não é simplesmente aliviar meus pensamentos, pq provavelmente continuarei pensando a respeito , e lutando por um mundo onde tenhamos mais representatividade e direitos assegurados.
  Mas é confrontar você também que está lendo. A pensar sobre essas coisas “ simples e bobas “ que acontecem diariamente. E como você se envolve nelas. Se você faz parte ou não. Porque se não te afeta, também é bom repensar.
  
Créditos das fotos:
Flores-Beatriz Ramos fotografia
Muro- Perfil do Instagram: Filhas de Frida
Poesia-Pó de Lua e Noites em Claro- Clarice Freire
   



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