terça-feira, 9 de outubro de 2018

Pra onde foi a poesia?


  Antes, a poesia fluía. Os mais técnicos discordam dessa palavra , afinal ”escrita é trabalho”. E muitas vezes, de fato é. Porém, nessa lembrança que minha tia despertou em mim esses dias, a escrita fluía. Não tem outra palavra.
  Eu pegava um caderno, qualquer caderno que encontrasse pela casa, procurava uma das últimas folhas não riscadas, pegava meu lápis e começava: contava histórias, sentimentos, tudo com rimas. As vezes até chorava, de tão emocionada que eu ficava.
  “ Poesia é um conjunto de imagens, e o sentimento que as move" (citação de um autor italiano que não consigo lembrar o nome, feita por um professor incrível que também ama poesia).
  Essa fala trouxe sentido pra tudo: toda a minha existência que sempre viu tudo através de imagens, tudo com sentimentos, tudo com palavras. Era poesia!
 Mas eu não sei por quê, ou quando, ela parou de fluir. 
 Estou nesse momento, tentando traçar uma linha cronológica, algo que me dê alguma indicação: um trauma, uma frustração, um trabalho mal feito, o quê que me fez de repente parar de escrever.
  A fala do outro? Quem é o outro afinal?
 Lembro que no colégio onde estudei as séries iniciais, as professoras me procuravam em datas comemorativas -geralmente um dia antes -pra fazer alguma poesia pra elas colocarem nos painéis que estariam exibidos pelo colégio. Sempre fiz rápida e tranquilamente, mais que uma opção muitas vezes.
Gostava de todas? Não, mas também não as detestava.
 Existia ali uma certa ingenuidade, um olhar de ver beleza em todas as coisas e pessoas. Até onde consegui me lembrar, a poesia fluía enquanto eu me sentia a vontade: com minha vida protegida, as pessoas e lugares que eu convivia.
  Não tenho certeza se foi ali, mas parece-me hoje que a poesia sumiu dos meus rascunhos no instante que saiu dos meus olhos. Foi quando me deparei com um mundo muito diferente, um tanto hostil, que me deixava constantemente assustada com as possibilidades que tinha.
  Eu sou grata pela transição que vivi , pois eu realmente parecia viver numa bolha de experiências limitadas.
 Lia muito, conversava muito, mas não conhecia o lugar ou as pessoas que não vêem poesia em tudo. Não conhecia pessoas que riam de rimas. Que achavam tudo isso muito bobo, e achavam que o legal era se impor no grito ou na violência.
  Foi importante conhecê-las. Tem lugares e situações que a poesia é o grito, é a luta. Mas ela só aparece se houver esperança. Se houver vontade de mudança, se houver inconformismo com o que está, se houver vontade de se resgatar ou ressignificar o que é.
  Talvez ali houvesse todas essas coisas. Mas eu não vi. E foi quando deixei de ver , foi quando deixei o medo me dominar e pautar quase  todos os meus passos, minhas relações, minhas escolhas que a poesia foi sufocada, como pedras colocadas num riacho.
  Eu ainda lia poesia de vez em quando nas bibliotecas e livrarias. Mas queria ler autores consagrados, ampliar meu repertório pra passar numa Fuvest, ou pra ser melhor mesmo do que meus colegas. Mal percebia que esse comportamento quase esvaziava totalmente a maioria das palavras que lia. E percebe? O problema tava todo no meu olhar.
  Sorte que a poesia é força que não se extingue facilmente. Ela estava ali! Como um fio, que de vez em quando escorria em lágrimas num verso ou outro que desembaçava meu olhar, que me lembrava que existe coisas além do que se vê, que me trazia vislumbres de esperança.
  Hoje estou aqui, fascinada com todos esses poetas que graças a Deus lutam pra que sua poesia ecoe nas pessoas. Poetas virtuais, de palavras, de imagens, de sons e de movimentos. Poetas que não se conformaram, não deixaram nenhum tipo de medo embaçar seus olhares.
 É incrível como nessas horas, a palavra, essa que é tão amada e tão significativa pra maioria dos poetas, não expressa o que acontece nesse momento de conexão, quando a poesia flui e encontra eco no outro!
  O coração parece bater acelerado mas apertar também; os meus olhos, que diante de qualquer estímulo que toque minha alma já estão habituados a derramar lágrimas, fazem exatamente isso...ou quase. Ao mesmo tempo, alguma coisa queima por dentro! Com força e suavidade, é um ímpeto e um alívio, uma contradição difícil de explicar.
  E as vezes ela aparece de novo!
 Mesmo tímida, mesmo sem rimas e regras.
Esse espaço é pra deixá-la a vontade: pra nutrir, dar força e condições de que ela volte. Que se sinta em casa, ainda que com outra forma, outra perspectiva.
  Pra te encorajar também, a refletir se o mesmo não aconteceu com você. Se aquele sonho de infância era mesmo “ bobo, impossível, insignificante” como te fizeram acreditar com o tempo.  Ou se alguma coisa que você mesmo viu ou passou , não te fez “ deixar pra lá”.
  Esse espaço é pra eu tentar me reencontrar sim, mas também pra dizer que se você tá por aqui, estamos juntos nessa...ressignificando nossa vida todos os dias ( ressignificar : poesia pura do incrível akapoeta) .E que essa luta vale a pena, mesmo que não pareça.
  A esperança não pode e nem vai morrer. Mas quanto de espaço você vai deixar pra ela em você?

Créditos das imagens: 
Poeta e ressignificar : @akapoeta
Lambre-lambe: google pesquisa de imagens
 

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Escreva


Escreva.

 Não é bem uma voz, mas é como se fosse: calma, porém firme.
Não soa como sugestão, mas também não tem aquele tom incisivo meio rude que costumo associar com a maioria das ordens.

Escreva.

Assim que eu tiver tempo...tá muito corrido, não dá pra escrever assim, precisa de tempo”.

Escreva.

"Sem inspiração não sai nada, já cansei de tentar! Fica tudo horrível, não compensa..."

Escreva.

"Mas tenho tanta coisa pra falar, tanto assunto, tanta ideia, preciso organizar antes de tentar expressar....sério, tá uma bagunça aqui! Não vai fazer sentido..."

Escreva.

"Sobre o quê? Não tenho condições de falar sobre o que não conheço, não vi ou experimentei...é absurdo dar opiniões sobre coisas que só vi ou ouvi falar. Tem bastante por aí inclusive."

Escreva.

"Sobre mim? Mas já? Acho que tá muito cedo pra mexer em algumas coisas ainda, não dá. Preciso processar melhor. Além disso, quem vai querer ler?"

Escreva.

"Não sei por onde começar! Que que eu faço?"

Escreva.

 A insistência me desarmou por completo.
 Até porque as desculpas são esfarrapadas até pra mim, nunca me convenceram. Os motivos são legítimos, fazem sentido e são verdadeiros. Mas sempre soam pra mim como um remendo mal feito pra minha falta de coragem de me enfrentar, de enfrentar minhas limitações, de me expor novamente...
Mas ao mesmo tempo, é como disse Eugene Peterson “ você escreve porque há fogo em seus ossos. Você tem que fazer isso, se alguém ler ou não”.
É exatamente isso: algo que parece impulsionar e consumir...até que você simplesmente e finalmente escreve!
 E aqui cabem tantos propósitos, tantos sonhos, tantos lugares, tantas possibilidades...mas pra mim, escrever ainda é sobre compartilhar, mais do que qualquer outro verbo.
 É na escrita que compartilho sonhos, vivências, angústias, questionamentos, experiências, dificuldades, superações, possibilidades, transformações...
É quando escrevo que me torno mais vulnerável e também mais fortalecida.
 Aqui, nesse espaço de exposição sim, mas também de diálogo que melhor vivencio pedacinhos de eternidade. Vislumbres dela...quando a palavra flui da alma de forma livre, franca, com potenciais infinitos que só se concretizarão na recepção e resposta do outro.
 Parece absurdo, utópico, mas pra mim é isso. Era meu sonho de infância, e pra realizar, a gente tem mesmo é que lutar.

 Foi por isso e tantas coisas, que resolvi ouvir...e escrevi!



sexta-feira, 6 de julho de 2018

Copa 2018


 Eu queria falar da Copa, e não é de hoje.
 Sim, esse evento que divide opiniões, mas que no geral conquista a atenção e contagia a maioria esmagadora dos brasileiros.
 Não quero falar de futebol, porque não entendo muita coisa: regras, táticas, perfis de jogadores, posições, isso não é comigo...( né Matheus? Rs)
 Mas sabe aquela emoção que faz o coração bater mais forte, e o olho encher da água só de ver a seleção lá? A bandeira? Os torcedores? O hino continuar a capela, e quebrar o protocolo, ecoando nas tvs de milhões de pessoas e fazer a gente se sentir gigante?
  Ahh é disso que eu to falando! E é difícil falar, é difícil expressar em palavras todas as emoções envolvidas. E não adianta, alguma coisa corre nesse nosso sangue brasileiro que faz a gente vibrar quando vê a seleção lá. Até os mais céticos.
  Ouvi muita gente que disse estar torcendo contra, ou não estar torcendo. Dizendo “ não merece” ou “ na situação que está nosso país, vou ficar torcendo pra Futebol?” e outro tanto de coisas desse tipo que eu prefiro nem comentar.
  Mas sabe, eu torci. E torci muito! Torci o tempo todo. Defendi jogadores que eu nem sequer conhecia antes da copa ( assumo, não acompanho mesmo). 
  A dor do 7x1 tava ali, querendo rondar. Aquele medo de passar por aquilo de novo...mas seguimos, passando cada fase com muita garra e emoção. 
  O hexa como alvo, o sonho coletivo de uma nação quebrada...estamos passando por crises nos mais diversos níveis...crises que levam muita gente ao desespero, revolta, brigas.
 E ai vem o futebol e une pessoas improváveis, perguntando " você viu o jogo hoje?"  Faz qse todo mundo parar pra ver “ a seleção brilhar”.
  E brilharam!  A saída não diminui o mérito de ter chegado até aqui. Pra mim, representou o país totalmente: somos tão constantemente humilhados, todos os dias nesse país, mas damos a volta por cima e seguimos lutando. 
  Tenho orgulho de ser brasileira, de ter nascido num país com tanta riqueza, cultura, beleza! Mas estamos num momento muito difícil...perdemos a esperança em quase tudo, e resta muito pouco pra se alegrar e se fortalecer pra continuar lutando e (re)construindo a nação. 
 A seleção trouxe isso, ao chegar até aqui...estar entre países sócio-economicamente mais estruturados é motivo de alegria, e até de esperança.
 Temos essa herança: de jogadores talentosos que há décadas inspiram outros tantos por aí. Se vc sair numa tarde de domingo, ou na semana depois do expediente ou da aula, vai ver crianças e adultos jogando bola nas ruas e nas quadras. Com bolas de verdade ou de papel, meia, latinha, o que der. De todo jeito, em todo lugar.
  O hexa é um sonho. Sonho de um país que está quebrado. Que tem índices de violência e educação assustadores. Mas que continua lutando. Que queria ter algo pra se alegrar, pra trazer um ânimo novo.
  Nada justifica o absurdo de culpar um jogador, ou um técnico e expor e criticar de forma irracional e violenta aonde quer que seja. Foi triste sim. Teve erros sim, eu sei que teve. Mas sei também que muitos lutaram até o final. E a hora de mostrar nossa " força", é agora.


  Saímos hoje...nas quartas de final. A dor é grande, é um gosto amargo. Um silêncio que esmaga. Mas não vai nos parar. 
  Porque se tem uma coisa que brasileiro sabe é não desistir....afinal,sonho só acaba quando a gente morre. Ou realiza. E o HEXA é sonho. 



terça-feira, 19 de junho de 2018

1- Uma memória feliz


  Era fim de tarde. Eu e uma amiga caminhávamos pela base de Jocum Santiago, enquanto o restante da equipe estava no centro da cidade fazendo ligações e tentando organizar nossa viagem dali pra frente. 
  Não havia nada que pudéssemos fazer além de aproveitar o tempo ali naquele lugar. Poderia ser o último dia, não sabíamos mais.
 Nosso olhar era aquele de encantamento, bem típico de turistas, misturados com a expectativa de quem teve os planos totalmente alterados há  pouquíssimo tempo.
 Andávamos e conversávamos hora sem ver muito bem o que estava na nossa frente na maior parte do tempo, hora totalmente cativadas por uma florzinha no caminho rs. 
  Foi então que nos vimos de frente pra uma pontezinha dessas de jardim. Subimos nela: era bem curtinha, e ao chegarmos no meio, nos encontramos naquele exato momento onde o sol se exibe na sua forma mais exuberante antes de sumir no horizonte!
   O céu estava num tom lilás frio, e acredite, no Chile, ele parece mais frio e mais próximo do que aqui. O sol se destacava num tom radiante de laranja, uma luz, um contraste indescritível. 
  Não deu tempo de ligar a máquina fotográfica. Meados de 2010, celulares não possuíam câmeras boas como hoje. Em meio segundo percebi que o espetáculo era um presente pra poucos. Larguei a câmera e sorri olhando pro sol que sumia parecendo afundar num mar cada vez mais roxo. “ Olha que lindo amiga!” – foi o máximo que consegui dizer.
  Não tenho fotos, mas a lembrança desse momento costuma me alegrar em tempos de transição e incertezas. 
A beleza daquele momento me dá uma certa esperança, difícil de explicar. Esperança de que tudo vai ser como deve ser, e provavelmente muito mais incrível do que consigo imaginar.

Texto feito para o Desafio da Escrita: Ninho de escritores

Imagem Esperança : João Doederlein :Instagram @akapoeta








segunda-feira, 16 de abril de 2018

Hoje me sinto mar...

_ Como chama quando passam aquelas ondas mais fortes, e o mar se acalma por um tempo?
_ Hum...não sei...mas pra quê você quer saber?
_ Nada. É só que eu to assim.
_ Assim? Assim como?
_ Assim ué: como se tivessem arrebentado muitas ondas grandes e fortes, e agora tudo está parado... como o mar fica nessas horas...quando parece que ele se aquieta só pra juntar forças pra começar tudo de novo, sabe?
_ Sei...você acha que vai começar tudo de novo?
_ Não sei...mas é provável. Só que não são as mesmas ondas que voltam, e o mar também já não é mais o mesmo depois que elas passam.
_ É verdade, as coisas mudam. Mas você acha que essas ondas aí que você diz, são em você, ou estão sobre você?
_ Haha boa sua pergunta! Achei que você não tava nem interessado...rs
_ Porque eu não estava olhando?
_Também....rs.
_ Ora, eu estou ouvindo não estou? E você parece acreditar no que fala. Isso me chama atenção sempre. Mas você não respondeu: são em você? Ou passam por você?
_ Acho que tá mais pra são em mim...
_  Certo...rs então você é mar ? 
_ No momento, é como se fosse. Não acho definição melhor que expresse como me sinto...e como acredito que sou, assim eu acabo sendo, não está escrito isso?
_ Está. Você é mar porque ele é expansivo, e imprevisível?
_ Haha não, não! É assim que você me vê? Posso até ter momentos assim...mas penso que hoje sou mar por outras razões...
 Sou mar porque embora pareça cheio de amplidão, e liberdade quando você me vê olhando pro horizonte, sou também limitado...posso subir a maré o quanto quiser, eu sempre vou voltar, impedida por uma força maior do que eu, invisível, que limita até onde onde posso chegar.
  Sou mar porque embora pareça calma e previsível na superfície, existem profundidades onde nem eu sei o que vou encontrar ao chegar...falta luz, vida, falta tanto nesses lugares...
 Sou mar porque me virei e revirei nessas ondas...muitas delas...tive que alternar entre crescer e diminuir constantemente nesse turbilhão de situações e emoções que passei...hora com força, hora com suavidade, mas uma movimentação constante, quase ritmada...
 Sou mar porque hoje me sinto como te falei quando começamos essa conversa: as águas estão voltando pro lugar, as correntes preparando pra se encontrar e começar esse movimento das ondas mais uma vez...é uma pausa de descanso e expectativa, misturadas sabe?
_ Sei.
_ Então...hoje, sou mar. Pode ser que amanhã ou depois seja alguma outra coisa rs
_ Acho que você tá esquecendo algumas coisas
_ O quê?
_ Você é mar porque embora pareça impetuosa, traz paz. É mar porque embora pareça forte, é suave. Porque embora tenha esse ar de ilimitação, é obediente. Porque embora tenha suas ondas, também tem suas marés e tudo a seu tempo. Você é mar porque pode ser insondável como ele, mas é acolhedora como ele também sabe ser.
_ Não tinha pensando nesses aspectos...
_ Eu sei, e quase esqueci: você é mar porque olhando pra ele sempre entendo que “ está tudo bem” tudo como deveria estar.
_É...está né? Isso parece paz.
_ Está. E é.
Mar não é sempre paz....
_ E você não é sempre mar rs “ tá tudo bem!” Aproveita e respira fundo agora...enquanto você ainda é mar, enquanto as ondas não começam a arrebentar.
_ Não descobrimos como chama esse momento né...rs mas descobri outra coisa
_ O quê?
_ Se hoje sou mar, você é o sol.
_ O sol? Por quê?
_ Porque iluminou o dia e trouxe esperança.




" Rio e me sinto mar ..."- Ana Jácomo 

Fotografia: Beatriz Ramos fotografia
referência e inspiração com a poesia da Ana Jácomo: tattoo Beatriz Ramos 




segunda-feira, 12 de março de 2018

Não era o que eu esperava...

 “Eu não esperava estar como estou hoje, com essa idade”
 Já parou pra pensar em algo do tipo? Essa pode ser uma sentença de frustração ou gratidão, depende do que você escolhe.

 Particularmente, oscilo entre as duas. 
 Essa questão estava presente na crise dos 20 ( socorro Deus!) e em todas as outras subsequentes, quando a ansiedade e a ingratidão tomavam conta e tudo parecia muito sem sentido, sem propósito, as vezes até sem valor.
 Verdade que eu planejava demais. Nas minhas loucuras infantis e apressadas meus planos eram muito bem organizados. Com 11 pra 12 anos, eu já tinha esquematizado tudo até pelo menos uns 21. Achava que tinha tudo sob controle -haha pode rir, hoje acho graça dessa ingenuidade - e a essa altura estaria bem encaminhada na vida, seguindo aquele padrão ocidental de pessoa feliz e bem sucedida (aquele, sabe?).
 Mas olha que impressionante: nada foi como eu esperava! E quando eu digo nada, é nada mesmo. Não estou aqui dizendo isso pra me isentar da responsabilidade sobre minhas escolhas ou o caminho que segui até aqui. Essa coisa de “ autopiedade” já foi. Talvez uma vez ou outra que não conseguisse ver que tinha escolha, mas de forma geral, a gente sabe que tem sim. O sim e o não tão sempre aí antes de darmos qualquer passo. Indecisão também é uma escolha, no fim das contas.  Nada foi como eu esperava, e sinceramente? Ainda bem!
  Eu me lembro como se fosse ontem da época que eu acreditava estar lutando pra viver naquele padrão que citei : acordava as 5:15 pra sair as 6:15, mesmo entrando na escola as 7:00. Pra quê tudo isso de tempo né? Porque eu tinha pavor de atrasos e imprevistos. Me arrumava meio rápido até, mas tinha que ter um tempo de sobra pra “planejar” meu dia.
  Eu sentava no sofá antes das 6:00, e mentalmente organizava cada hora que eu teria dalí pra frente: tal hora faço isso, tal hora faço aquilo. Ia feliz e contente que tinha espaço até pra algum imprevisto ou uma distração. Que lindo!
   Na escola eu nem esperava ter algum controle sobre a rotina, então a loucura começava ao sair dalí correndo pra pegar o primeiro ônibus e não perder mais nenhum minuto.
  Isso aí já era um problema né? Mas amém. Eu chegava em casa ainda determinada a executar minha agenda. Quase NUNCA dava certo. As mudanças de planos de qualquer pessoa lá me afetavam diretamente. As vezes tinha que ir pra outro lugar e ficar totalmente impossibilitada de fazer qualquer coisa que eu planejei. Aquilo acabava comigo: era uma frustração imensa, uma raiva! Eu chorava, ficava um tempão irritada com o que não pude fazer , ao invés de aproveitar o que estava acontecendo ( soa familiar isso, inclusive).
 Levei uns bons anos pra perceber isso. Mas hoje agradeço a Deus pela família que fui criada haha porque se tivesse crescido num ambiente um pouco mais metódico ou rígido nessa questão de planejamento e rotina, TOC, neurose, tudo ia ser apelido pra me descrever rsrs.
  Mas voltemos: claro que estendi esse planejamento pra vida:
Com 21 anos, eu já teria no mínimo a graduação e estaria encaminhando algum mestrado ou pós.  Estaria trabalhando obviamente, e dirigiria meu próprio carro. Provavelmente também estaria iniciando os processos de adoção, porque sendo mãe solo eu já sabia desde criança que o negócio seria demorado. Ah, também viajaria o mundo, em todas as férias que pudesse. 
  Queria ser inteligente, independente e feliz. E pra mim, isso era tipo um pacote indissociável. Era meu alvo, ideal de felicidade.
   
Só que ele começou a desmoronar bem cedo: quando não passei no Vestibulinho pro ensino médio técnico - que era um passo importantíssimo pra chegar lá - eu já sabia que metade desses planos estaria comprometido.Teria que me dedicar mais, muito mais, e crer num milagre. 
  Eu tinha as duas coisas : fé e dedicação. Mas não tinha assimilado ainda que não tinha controle sobre muitas coisas, inclusive sobre as mudanças que ocorriam em mim ao longo do tempo. Os sonhos inclusive foram mudando, conforme fui me conhecendo e me constituindo enquanto um ser humano único. Escolhas, identidade, destino, tudo foi de certa forma se desdobrando ao mesmo tempo, e ainda é assim.
 

O caminho que escolhi é de renúncias mesmo. E desde a primeira, percebo que o principal é aprender que eu não tenho o controle sobre tudo. Aliás, se existe um controle que exerço, é apenas em mim e bem limitado rs.
 Parece doido e doído de início, mas hoje dou graças a Deus por isso.
 Percebo que boa parte dos planos que fiz eram mais socialmente aceitáveis do que fariam sentido pra mim. 
  Já falei sobre isso aqui: o que eu não quero. Minha prioridade se tornou ser, e não ter, há muito tempo. Ela tem me levado a caminhos muito inesperados e muitas vezes “insanos” pra maioria das pessoas. Cada oportunidade que tenho de aprender, de mudar, eu aceito. E tem sido uma aventura, mesmo que muitas vezes pareça uma verdadeira loucura. Ainda assim, encontro mais sentido, mais crescimento nesses passos, do que em passos óbvios.
  Mas por que eu resolvi falar isso? Pra dizer que o IR faz o caminho...como disse C.S Lewis. 
 Eu nunca pensei que estaria onde estou hoje...mas também nunca pensei que já teria passado por tantos lugares, conhecido tantas pessoas, vivido tantas coisas diferentes!
   Nasci e cresci na maior cidade do país, e no IR  acabei morando já em 3 regiões do Brasil com pessoas de todos os lugares. Tive acesso a uma diversidade de culturas imensa, desde criança. Viajei pro exterior antes dos 20, sem precisar de passaporte, sem falar a língua oficial também ( aprendi lá, na cara e na coragem rsrs). Passei num concurso público aos 15 anos, não fiz a Fuvest como esperava, mas passei em 1º lugar  no primeiro e único vestibular que fiz na vida. Trabalhei com uma variedade de coisas: num call center de emergência, numa secretaria de escola de música, fui babá, professora de inglês, recepcionista, auxiliar de biblioteca e contadora de histórias. Fora todas as experiências em missão, que foram igualmente variadas: de pintar parede, podar hortênsias rs, reformar móveis, fazer pantomimas em praças e escolas, até cozinhar macarrão pra 170 pessoas. Muito mais riqueza de vida do que meus planos poderiam alcançar rs.
   Eu realmente nunca pensei estar como, ou onde estou hoje, percebe?  Mas pensar sobre isso foi como um lembrete: mesmo que nada faça muito sentido agora, que o caminho pareça muito incerto, e dê aquele medo de continuar, bom, tá tudo certo, do jeito que o certo for rs.  
 E eu compartilhei essas coisas não porque considero meu caminho um exemplo a ser seguido literalmente rsrs. Mas pra te lembrar, ou te encorajar se você tá nessas vibes de questionamentos sobre onde ou como gostaria de estar, a olhar pras respostas que você encontrar com gratidão e esperança.
  A sensação de andar num caminho enquanto estou construindo ele é doida mesmo: esse misto de animação com desespero as vezes. De coragem com canseira também. Mas pra quê percorrer uma jornada já trilhada, já programada, quando a vida é única e isso me possibilita escrever uma história assim também?
 Parece mais fácil se encaixar em algum caminho pronto, é verdade. Mas não creio que seja. Porque se distanciar de si mesmo e da sua história é um processo dolorido também. O preço é igualmente alto, só que cobrado mais tarde.
 Mas a escolha é sua. É minha. Ta sempre aí. Bóra?

Créditos:
Fotos- Beatriz Ramos Fotografia
Palavras: Akapoeta - instagram

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Um corpo, é só um corpo(?)

  Corpo : estrutura física de um organismo vivo, materialidade do ser. 
  Isso é o que diz uma das definições de um dicionário online. Mas afinal, o que você entende por “ corpo”?
  Faz tempo que tenho pensado em escrever sobre isso, alguns conceitos praticados e as relações envolvidas.São assuntos que podem se estender pra outros posts, porque rendem rs. Mas prefiro focar na minha experiência pessoal, que mesmo limitadíssima é a que tenho condições de expor aqui.
    Por ter “ formação cristã” boa parte das ideias e preconceitos que carreguei sobre o que é o corpo e como devo me portar estando em um, vieram do ambiente religioso. Ali, até pouquíssimo tempo atrás corpo era instrumento de pecado. Ponto. 
Era a “ carne” que nos afastava de Deus e precisava ser fortemente mortificada. Os hormônios e até mesmo questões fisiológicas eram confundidas com impulsos muitas vezes, e tudo era tratado como “pecado”. Raramente se considerava que essas coisas faziam parte do que Deus criou.
   Assim, sempre achei mais fácil ignorar o máximo possível este corpo que sou obrigada a habitar. Essa era a sensação: estou num corpo, e o que ele representa não pode fazer parte de mim. Se eu der corda, ele vai me levar ao abismo - não queremos isso. Como não é possível viver fora dele, vou apenas habitá-lo. Sou o que sou por dentro, isso que me define; meu corpo não passa de uma casca. Estou nele por tempo limitado, até viver no céu como uma coisa indefinida, algo santo, bem diferente deste corpo”. 
  Passei anos crendo nisso e vivendo assim. Sei que não é totalmente errado. Mas percebe o perigo de só focar nisso, quando a Bíblia fala muitas outras coisas a respeito de corpo também? 
  Faz pouco tempo que a visão de se cuidar como forma de cuidar do lugar onde Deus habita passou a fazer parte dos sermões, embora seja bíblica e portanto, extremamente antiga.Percebo que ela acompanha uma tendência mundial de supervalorização do físico, um tempo onde “ sou meu corpo” é uma ideia extremamente difundida e acatada. 
Até considero natural essa transição drástica; precisava ser um movimento forte pra impulsionar uma mudança real em algo tão arraigado ainda que tão absurdo.
  Mas eu ainda estou falando muito em termos gerais. Essas coisas me afetaram, mas claro que havia outras. Uma delas é algo que me irrita profundamente e ainda é muito pouco falada: a gordofobia. Não vou falar profundamente sobre, pois isso exigiria mais do que minha experiência limitada, e muito mais do que um post. Mas você sabe do que se trata: o preconceito mais velado e bem aceito na humanidade até hoje, porque basicamente se disfarça de preocupação com a saúde.
  Eu não me lembro bem em que momento eu comecei a ser alvo disso. O que eu me lembro é que com uns 7 pra 8 anos de idade, já o sentia num nível tão insuportável com olhares e comentários, que implorei pra minha mãe me levar num médico que me desse uma dieta.
 Acho que foi ali que minha luta com meu corpo começou, já que eu sempre gostei de comer e minha família sempre gostou de cozinhar rs. Na época, não tinha noção de que metabolismos são diferentes, e ficava perturbada de ver que mesmo que eu comesse menos que a maioria, eu engordava mais. Nunca aceitei bem também as restrições que me davam : "você não pode comer mais Gabriela" - mesmo que todo mundo estivesse comendo.
 Por quê? – eu perguntava. “ Porque não”. Um ou outro mais ousado falava o que todo mundo tava pensando: porque você vai engordar. Era pra soar como uma tragédia. Uma ameaça mesmo. Então, era assim que eu recebia.  Meu corpo desde cedo, era um lugar de sofrimento e julgamento.
  Isso se estendia pra aula de educação física. Não era nada recreativa pra mim, já que ninguém me queria nos times ( clássico). Até uns 10 anos eu ainda era muito competitiva, e não via meu tamanho como limitação. Quando caiu a ficha que ninguém esperava que uma pessoa do meu tamanho tivesse habilidades esportivas, acreditei nessa estupidez e passei a odiar exercícios físicos também. Não era pra mim.
 Não posso reclamar totalmente da influência da igreja sobre minhas percepções físicas, pois essa parte de exercícios mudou lá. Entrei em um Ministério de dança aos 14 anos. Não sabia que gostava de dançar, não entrei pela dança. Entrei por acreditar que tudo que existia em mim deveria adorar a Deus, e essa era uma forma de expressar isso.
  No começo, foi terrível. Eu odiava ballet, nunca quis fazer. E lá estava eu, me sentindo imensa enquanto usava aquelas roupas justas que eu julgava ridículas, pra fazer movimentos dificílimos e (pra mim) ainda mais ridículos. Mas foi assim que descobri que na verdade, eu gostava sim de exercícios. E que meu tamanho não era uma limitação pra todas as coisas. Pelo contrário, eu tinha muito mais flexibilidade que a maioria das minhas colegas. E era teimosa rs, então eu treinava todo dia em casa. Acabei me desenvolvendo rápido, e bem. Só continuava não gostando de ballet, isso nunca mudou hahaha. Mas pra desenvolver outros estilos precisava dele, e quis me matricular em alguma escola, algo gratuito. Mesmo em SP “ que tem tudo” encontrei portas fechadas:  eu não tinha o “biotipo”. Precisava emagrecer bastante antes.
   Eu entrava nessa de dietas e exercícios constantemente, com muita frustração e muito pouco resultado, acabei desistindo rápido da dança. Mudou minha rotina também. Com uns 16 anos - época que comecei a trabalhar- pela correria, acabei perdendo aí uns 6 kg de uma vez.
  Foi impressionante como o olhar das pessoas que conviviam comigo mudou. Eu sentia mais respeito, porque afinal "ser gorda era ser relaxada, preguiçosa" - coisa que eu nunca fui. Mas repara bem se essa ideia não está escondida na maior parte das pessoas que vem te dar bons conselhos sobre “ saúde” : “ Você tem que se cuidar, fazer exercícios, comer coisas saudáveis”. Essa época foi precisamente a que menos me exercitei. E que menos comi saudavelmente. E emagreci. 
 Então, que se dane minha saúde, não era bem isso que as pessoas estavam preocupadas não. Era a estética. E no fim, isso parecia importar pra mim também.
   Então era assim a vida: de um lado, uma pressão absurda pra “cuidar do corpo” que era sinônimo de emagrecer. Por outro, uma pressão absurda vinda das mesmas pessoas, de que corpo era algo pecaminoso, e tinha que ser deixado pra lá. Mas de preferência magro, percebe?
  Fácil viver confusa e esmagada entre essas duas ideias. Quando emagrecia, naturalmente usava roupas que antes sentia vergonha ( a gente tem essas ideias, de que existe “ roupa pra gente magra”) e aí pronto: estava chamando atenção pra ele, e eu mesma me julgava a pior das pecadoras. Não passava pela minha mente que eu poderia usar algo diferente só por achar bonito ou me sentir bem.
  E se eu tivesse esses sentimentos também tava errado. Corpo era pra ser sempre disfarçado e se possível escondido, amém? Amém.
 Passei por vários processos libertadores graças a Deus, onde passei a me ver com menos culpa, menos desprezo ( como já falei aqui).
  E bem recentemente, descobri a academia. Eu já havia ido com meu pai, uma vez, aos 16 anos ainda em SP. Odiei com todas as minhas forças:  entrei lá sentindo o ar pesado de competição e comparação. Me sentia um elefante branco: impotente, esquisita e de maneira alguma bem vinda.  Não queria voltar num lugar desse nunca mais. 
  Mas as coisas mudam. E já aqui no interior do PR, morava praticamente do lado do SESC, e soube que lá a proposta era diferente. Fui, morrendo de medo. Foi algo simples, mas radicalmente transformador. Era difícil, sofrido muitas vezes. Parecia que eu era a pior das criaturas enquanto tentava treinar. Ao mesmo tempo,  me sentia tão bem quando saía de lá, que julguei a dor um mal necessário. Lá também o ambiente era muito bom. E eu era menos encucada comigo e com os outros. Não senti aquele mal estar de antes e havia respeito por parte dos professores, então tudo fluiu melhor.
  Na época, era a única coisa que eu fazia apenas pra mim, por mim. Então passei a ir e me dedicar. Não fazia dieta. Nem mesmo coloquei emagrecer como objetivo pros meus professores. Óbvio que o corpo muda com exercícios, e por isso, defini alguns objetivos que me ajudavam a me sentir melhor comigo mesma. Sem prazo, pra não voltar ao ciclo de ansiedade e frustração. Fiquei doente muitas vezes ano passado, e isso “ atrapalhou” bastante essa nova rotina de treinos. Também descobri a anemia que já citei aqui, na mesma época que coloquei aparelho. A solução foi aderir ao suco verde ( que eu passei a amar inclusive rsrs)
  Essas duas práticas não me fazem uma pessoa fitness (rsrsrs) nem pretendo ser. Admiro e respeito quem tem esse estilo de vida, mas acredito que isso envolve crenças comportamentos que eu não tenho. ( Também acho que tem muito modismo, muito apelo consumista envolvido).
  Fico com o que faz bem: foi com a atividade física e essas mudanças na alimentação que percebi que não estou no meu corpo, nem tampouco sou ele. Mas que ele faz parte do que sou. O que faço ou deixo de fazer nele, me afeta interiormente diretamente. 
 É uma ideia tão simples, tão básica, mas tão difícil de assimilar na realidade.
     Percebi também que o empoderamento é muito necessário quando começo a entender essas coisas. 
 Há pouco tempo, fui num parque aquático. Quando soube que iria, meu primeiro pensamento foi : bem agora que eu não to na minha melhor forma, vou ter que usar biquíni....socorro. Menos de meio segundo depois percebi o absurdo desse pensamento. Tinha que escolher entre ir e me divertir independente da minha “ forma”, ou ficar encucada, com roupas desnecessárias pra esconder algo que não diz respeito a ninguém além de mim.
  Escolhi a primeira opção graças a Deus. Não com a rapidez que escrevi aqui, mas tudo bem.  A verdade é que ninguém liga pra como você está na praia, ou na piscina. Uma roupa incoerente chama muito mais atenção do que um corpo, seja o formato que for.  Corpo, todo mundo tem. A gente transforma em tabu, em objeto de culpa, porque somos bem desequilibrados.

Nessa mesma época, fui numa loja de roupas com minhas irmãs. Estava no provador esperando elas, quando vi uma outra moça acompanhada da mãe e da irmã conversando sobre os vestidos que estavam provando.
  Minha intenção não é expor as moças desconhecidas especificamente, mas a situação que é bem comum: ambas eram magras, pareciam usar no máximo manequim 38. Estavam provando vestidos de malha, e pra mim tava tudo ok. Mas elas olhavam no espelho e falavam: to horrível né? Essa barriga, esse culote, ta marcando tudo não tá? Nossa, como eu to gorda, devia ter vergonha de provar esse vestido. Vou voltar pra dieta.”
 Eu fiquei chocada: primeiro porque era um absurdo tudo que eu ouvia ali. Segundo porque qual seria o problema se elas de fato estivessem gordas? 
  Daí eu me dei conta que tudo fica mais claro e mais fácil de enxergar se tratando de outros. Eu poderia não reproduzir essas falas, mas possivelmente sentiria vergonha de provar algumas roupas sim. Talvez aquele vestido produzisse a mesma sensação em mim, que sou de fato bem maior do que elas.
  Então tenho tentando melhorar essa relação com meu corpo, entendê-lo melhor. Quando estou com calor, com frio, cansada, parada demais; isso acaba se estendendo pra roupa, pro exercício, pra tantas coisas. 
 Mas o que mais tenho tentado lembrar e praticar é que o empoderamento ta aí pra momentos como esse. Não pra quando eu consegui cumprir todos os exercícios, e aquela calça que não servia mais tá quase larga.Não apenas pra quando comprei um vestido que nunca pensei usar, porque perdi barriga e me senti a vontade pra tentar finalmente.  
  É pra quando não deu pra exercitar, e a roupa não tá como eu imaginava, ou mesmo não serviu. 
  É pra quando eu entro numa loja que supostamente vende tamanhos grandes, e a vendedora olha pra minha cara e diz que o maior número ainda não me serve. É pra quando tá um calor absurdo, e eu tenho que ter coragem de colocar shorts e regata mesmo com estrias, celulite, e essas coisas absolutamente normais que endoidam tantas pessoas por aí.
 É pra agora. Pra todos os dias. Pra quando deu tudo certo e pra quando não deu. 
 É pra lembrar que meu corpo não é apenas um espaço onde habito, e muito menos é o que me define. É parte, e como parte tem sua devida importância. Não mais, nem menos. 
 É pra nos ajudar nesse caminho de estabelecer uma relação mais equilibrada com a gente.
  Cada corpo é um corpo, e não é "só" um corpo. Cada um tem sua história em curso. Acredito que existam milhares de possibilidades e caminhos pra chegarmos nesse objetivo tão simples mas tão urgente: o tal do “ se sentir bem na própria pele. Vamos? Nós podemos!

Imagens: Pinterest 

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

2017 : o Outono e o Inverno passando...

   2018 já chegou há um tempinho. A essa altura, eu já teria escrito e publicado alguma retrospectiva .“ Somos feitos de histórias” já dizia Eduardo Galeano, e 2017 teve tantas!  Além disso, não acredito que a vida se organize conforme o calendário, embora ele ajude. Mas pra mim, o tempo se faz muito mais por estações do que por dias, meses e anos. E o ano que passou teve duas muito bem definidas, embora ao estar nelas eu não tenha percebido tão claramente: foram dias de outono e inverno. Talvez não tão indistintamente definidos, igual o clima mesmo.
   Começou com muitas reservas e inseguranças caindo literalmente, logo no dia primeiro: minha irmã fotógrafa - talentosíssima e insistente- não desistiu de mim e fez um ensaio impressionante. Até então eu não conseguia ficar na frente da câmera sem morrer de rir, ou morrer de vergonha. 
 Mas foi uma experiência tão incrível e assustadora, que poderia dizer que era já um prenúncio do que seria o resto do ano: um " outono” cheio de descobertas , onde foi essencial saber que independente das folhas que estavam caindo, ainda existia uma raiz.  Perceber isso, me fez derrubar ainda mais folhas de vergonha, de complexo de inferioridade, medo e dúvidas.
   Nesse processo, participei de uma oficina de contação de histórias, e lá me descobri finalmente como contadora, mesmo fazendo isso há algum tempo. Ali me firmei  como alguém que sabe o quê faz e o por quê  faz. Lá descobri " minha voz". 
  Tempo cheio de novidades, sustos e desafios, e alguns até transbordaram em forma de textos por aqui. Mas escrevi muito menos do que eu gostaria. Incrívelmente menos. 
 De início, pela correria: eu não parava nos primeiros meses, tudo parecia muito promissor, e eu tava a mil por hora! Comecei a ministrar na célula das meninas -um dos melhores presentes que recebi na vida-  contei histórias no acampamento e no culto das crianças, tinha a academia, e tantas coisas boas, que parecia que mesmo com as folhas caindo, eu tinha finalmente encontrado meu “ lugar”.
     A questão é que o turbilhão tem seu preço, e começaram as doenças e dores contínuas. Muitos repousos forçados. Muita raiva e frustração. Sempre fui dura comigo mesma: não admito erros. Não admito falhas. Não queria admitir estar doente também não. Até porque repousos forçados são terríveis. Alternava entre gripes fortíssimas, enxaquecas horríveis, resfriados esquisitos, e do meio pro fim do ano até uma anemia eu descobri.
  Isso me fez pensar, porque nunca fui de ficar doente. As constantes interrupções que a dor ou as gripes causavam, me tiravam do eixo completamente. E pra voltar o mais rápido possível, comecei a considerar o que estaria acontecendo num nível mais profundo do que a minha imunidade por exemplo.
 Descobri quase tudo sobre chás e remédios, por leitura e experiência. E muito sobre mim também. Descobri por exemplo que lidava de forma bem estúpida com todo e qualquer nível de dor e machucado que tivesse. Tenho péssima noção espacial, normal aparecer com roxos, cortes e arranhões que não faço ideia de quando e onde aconteceram. Quando eu vejo já foi, já tá doendo, só me resta remediar. As vezes até ignorar. Mas se isso já é ruim, imagina fazer a mesma coisa a nível de alma também? Obviamente eu não tinha percebido. E todo meu esforço pra me cuidar, pra ser saudável, pra sarar, pareciam surtir muito pouco efeito. 
   Em 2017 também resolvi que queria aprender a correr.Queria mais resistência, e tava bem animada com os treinos cada vez mais desafiadores, e com as respostas que meu corpo dava quando eu tava bem rs. E foi muito ótimo começar. Não posso dizer que corro ainda, estou muito longe disso. Mas percebi que pra correr, basicamente você tem que tentar, e continuar indo, mesmo que de cara sinta tudo dizendo que não vai dar. Porque pelo que percebi essa sensação não muda, nem na 1ª vez, nem depois de 1 mês praticando. O jeito é adotar o “ Go, anyway” ( ou "só vai, pra alguns rs) e continuar. 
   Também foi o ano que mais senti a necessidade de me desapegar totalmente do passado, e o ano que mais fui colocada em contato ou em confronto com ele. ( Passado aqui sendo desde o dia de ontem, até aquelas lembranças desagradáveis de infância). Pra "Podar hortênsias " tive que encará-las.
   Além disso, creio que a intensidade de todos os acontecimentos me deixaram num turbilhão de confrontos tão profundos, que eu simplesmente não conseguia processar e escrever sobre. Nem pra mim mesma. Era tudo muito novo e assustador. Adotei o “Go, anyway” pra vida. Principalmente por não saber lidar com as dores, fraquezas, ou falhas que surgiram .E nesses processos tive muitas, muitas mesmo. Quase todas sem perceber. Me considerava bem flexível, calma, quase imparcial, de tanto que eu queria ajudar tudo e todos, e  assegurar que tudo ia ficar bem com todos.
    Foi mais ou menos assim que ignorei todas as dores internas e externas em mim, e "quebrei", como descrevi no ultimo post .
 Foi a forma mais clara e drástica de aprender (e espero, que de uma vez por todas) que não se quebra pra manter alguém inteiro. Mesmo que esse alguém seja muito importante pra você e pareça muito digno e necessário fazê-lo. 
   2017 foi um ano onde a manifestação da graça de Deus em mim foi muito forte, porque eu tenho certeza que nunca me vi tão fraca. Sou intensa, é verdade. Isso faz diferença. Mas também não sei se é possível mudar algo tão intrínseco em mim, que é essa coisa de amar ou odiar, o 8 ou 80, sabe? Meios termos pra mim não existem. Não fazem sentido, não tenho percepções medianas sobre absolutamente nada. E acredito que mesmo com os dias difíceis, isso me proporciona vivências incríveis, mesmo em situações corriqueiras. Não troco isso por um dia " normal" ( afinal, o que é normal?).
   Não posso esquecer que também quebrei minhas regras algumas vezes, e isso foi muito surpreendente novamente -até porque  tenho muitas mesmo. Mas tenho limites pras concessões que faço porque senão fico de novo naquela de não me reconhecer. Muitas são relacionadas a situações que me deixam num nível de vulnerabilidade maior do que eu considero suportável rs. 
  Mas em um desses lapsos que a gente tem, quebrei uma dessas regras naqueles 20 segundos de coragem insana e acho que só pensei “ por quê não?” .
  Foi de longe uma das melhores coisas que fiz nesse ano rs, mesmo tendo sido algo tão simples. Mudou praticamente tudo dali pra frente.
  Nessa me descobri impulsiva por pensar demais, mesmo que isso soe contraditório.
 Graças a Deus, a maioria desses " repentes" resulta em coisas boas.
 " Bom é que não você não se preocupa com o que as pessoas vão pensar”- ouvi isso algumas vezes, e gostaria que fosse totalmente verdade. Mas meus primeiros pensamentos ainda tem essa rusga de “ e o que vão pensar?” - não com relação a sociedade, e sim com às pessoas com as quais eu realmente me importo.
  Porém reconheço que embora o pensamento exista, as vezes até aquela dor aguda de saber que “ é, vão se decepcionar” aperte o peito, de fato, isso não me paralisa. Acabo agindo baseada em algo maior, que faz muito mais sentido pra mim, que é obedecer Deus. E pra isso, eu já sabia que decepcionar pessoas queridas, fazer coisas que ninguém entende, ou mesmo ser xingada e coisa e tal, poderiam acontecer. Não é a pior parte. Ainda acho lidar comigo mesma, com orgulho, autopiedade, e medo muito mais difícil.
  Olha, quantas aventuras 2017 rendeu rs! Quantas experiências, quantas pessoas incríveis pude conhecer! Teve muitos eventos inesquecíveis esse ano também : o casamento da mamys, a célula das meninas, viagem pra SP e o corte de cabelo no meu aniversário, o livro do Akapoeta autografado, assistir Lés Miserábles, o Fornalha Tour Dunamis, conhecer mais um autor de livros infantis ( Ilan Brennam), uma festa do pijama inesquecível e muitas despedidas surpreendentes quando mudei pra SP, conhecer Paraty também...nossa, quanta coisa!
  Mas a maior lição desse 2017 foi sem dúvida, aquela mais básica, que já cansei de falar e ouvir por aí, mas que nunca calou tão fundo na minha alma, nunca me tocou de forma tão significativa e transformadora, como as experiências desse ano proporcionaram :
  Deus se importa muito mais com o que eu sou, do que com o que eu faço.

 E pra isso, pode ser que eu tenha que deixar de fazer absolutamente tudo que eu estou acostumada, que eu goste, ou que me considere boa.
 Pode ser que eu tenha que deixar de lado todas as coisas que eu faço e acredito fazer por Ele. 
Pode ser que isso exija renúncias tão doloridas, que pareça que depois delas, não vai restar muito mais pra continuar. 
Pode ser que eu me sinta completamente só, e errada, e perdida também.
 Até não restar mais nada, que me atrapalhe de enxergar as feridas, os roxos, os hematomas que deixei passar. Ou tudo que era bom, mas tava fora de lugar.
  Até que toda mancha, toda sombra, toda casca de proteção, suma.
Se me falassem antes, eu com certeza pensaria que não iria restar muita coisa. Mas talvez seja esse o ponto, por mais doido que isso seja...é preciso morrer pra que Cristo possa viver. E isso tem tudo a ver com depender e confiar.
  E quando Ele vive, eu me torno muito mais eu, muito mais autêntica do que jamais conseguiria ser, sem Ele.
 Então 2017 foi sobre isso: toda essa desconstrução louca, sobre sentir todas as folhas caírem, e nisso esquecer que a raiz ainda tava lá. Mas graças a Deus, ela estava, e está. 
 E por isso, é hora de construir de novo...sobre as bases e fundamentos certos, que acredito eu, permaneceram.
 A primavera vem, nem que não seja agora, uma hora ela vem. 2017 não foi o fim! Graças a Deus! 
 E isso já é suficiente pra me encher de esperança e gratidão pra viver as estações desse ano que começou.

Créditos das fotos: Pinterest