sábado, 22 de julho de 2017

Das cartas que não entreguei #1

Campo Mourão, Outubro


E aqui estou eu mais uma vez.
De novo demorando pra escrever, de novo tentando organizar as idéias antes de colocar pra fora.
Vou seguir o modelo clássico, que é o mais fiel aos meus pensamentos: eu falando com você; e  você sendo  aquele que escuta e no máximo segue um roteiro que eu imagino:

Hoje se você aparecesse, não sei como seria. Fico pensando no que eu diria, em como reagiria. Mas  não há muito que eu possa dizer.
A reação seria das mais óbvias também: sentiria meu coração dando três voltas dentro do peito, em seguida aquela sensação de desmaio horrível. E provavelmente sentada, eu cerraria os dentes com força,  respiraria fundo, e repetiria pra mim mesma olhando fixamente pra tela do celular: "calma Gabriela, respira e conversa. Vocês são adultos." E aí eu seguiria os protocolos gerais de " oi, td bem?" esperando que você quebrasse isso.

Os números não saem da minha cabeça: dia que nos conhecemos, hora, coisas desse tipo. Mas se fossem só os números, era mais fácil. As palavras, os olhares, os pequenos gestos, o sorriso, tá tudo aqui gravado com uma nitidez impressionante.
Nem parece que faz dias que você passou das conversas pras frases soltas, das frases soltas no ar, pra lembrança e expectativa.
Falando assim fica até bonito dizer que você desapareceu. Desaparecimento que não acompanha meus pensamentos, como você bem deve saber.  Parece que cada confronto e ausência só serve pra me mostrar o quanto eu me sinto impotente diante do que sinto.  É uma coisa tão estranha, forte, fixa, tão independente de você e até de mim. Eu sinto e pronto. Aparentemente nada funciona pra mudar isso. Nem seu silêncio, sumiço inexplicável, os momentos que a ansiedade pareceram me sufocar.
Hoje não sinto mais essa ansiedade, graças a Deus. Me convenci de que você precisa desse tempo . E que provavelmente não vai sumir pra sempre. Hoje saber que você está bem me parece suficiente, por mais clichê e orgulhoso que isso soe, é honesto.
  Confesso que não entendo muito bem essa sua mania de querer esperar “ as coisas se desenrolarem.” Não sei que tipo de coisas você está falando. Mas me empenho pra respeitar seu tempo - mesmo sabendo que não precisei de 1 segundo pra me apaixonar por você. Somos diferentes, então considero que pra você seja ainda mais complicado.
 No fundo, a gente tem que admitir que não estamos sabendo lidar com nós mesmos. Da minha parte, eu evito questionar ou falar qualquer coisa que possa sugerir a mínima pressão sobre você, sobre sua resposta. Mas isso não diminui nada, porque essa pressão existe desde o momento que você soube o que eu sentia ( aliás, lembra como foi ridículo o jeito que você soube? não me conformo, foi tudo errado, mas já foi).
E você, provavelmente ta tentando evitar que eu sofra, não falando claramente que não gosta de mim da mesma forma que eu gosto de você. Isso na melhor das hipóteses. Na pior, você tá evitando seu próprio sofrimento em abrir mão da minha atenção. Mas sabe, isso também não diminui o sofrimento: porque tudo que você diz e não diz, faz ou não faz acaba demonstrando isso.
E já doeu, claro. E provavelmente quando você admitir pra mim, vai doer mais. Mas quer saber? Qual o problema ? É impossível evitar sofrimento. Eu nem tento, pelo contrário. Eu sabia dos riscos quando resolvi assumir que gostava mesmo de você. Soube todo o tempo. Continuo consciente de todos eles. São muitos? Sempre. Mas sou dessas que prefere confiar e se jogar pra ver o que vai dar, do que se arrepender pra sempre de não ter tentado. Se eu não era assim, me tornei.
Também não me arrependo por sentir demais. Tenho certeza que isso só me traz benefícios, mesmo quando dói. Ao escrever isso, pensei em quantas vezes nesses meses, senti dores que achei que não poderia suportar. E estou aqui, não é verdade?
E também me lembro que as alegrias, sempre foram incomparavelmente melhores. Sempre.
Então estou aqui. Esperando você aparecer.  Seja lá quando for, seja lá o que vai dizer. Porque independente do que vai acontecer, pior do que esse vazio não vai ser.
 O que eu estou esperando? Que você seja honesto, consigo primeiro.
Porque só  daí eu sei que você conseguirá encontrar a  coragem que precisa pra ser comigo também.
Até lá, se cuida.
bjo, Gabi



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segunda-feira, 3 de julho de 2017

Sorriso no meio do caminho

Era um dia comum: daqueles cheios de nuvens com um ventinho fresco bem típico das manhãs. Eu estava subindo uma rua, no caminho que mantinha quase sempre pra ir pro trabalho.
Antes eu gostava de alternar as ruas, o máximo possível. Vantagens de se morar numa cidade pequena e planejada...a gente inventa alternativas pra rotina não nos sufocar por completo. Mas umas broncas de mãe preocupada que sempre me desencontrava no caminho me fizeram prometer manter sempre a mesma rota. Eu escolheria a que tivesse mais gente passando, mais flores, mais detalhes, pra não enjoar muito rapidamente. Mas no geral, as ruas são vazias, as flores ficam nas avenidas, os detalhes são sempre os mesmos. Acabei escolhendo pela rapidez mesmo.
Geralmente encontro poucas pessoas no caminho também indo trabalhar: umas três mulheres que vão em direção oposta e geralmente respondem meu "bom dia"; as vezes dois varredores de rua, que sempre respondem educadamente também, e dois homens de bicicleta : um que sobe a rua rápido em direção as avenidas, e outro que desce e trabalha bem na esquina da rua que eu viro. Tem dias que encontro ele sentado esperando alguém abrir o portão. Outras ele está descendo a rua. Pra esses dois da bicicleta eu não costumava falar bom dia, ou mesmo sorrir. Acabei adotando sem querer esse comportamento que me causa estranheza desde que mudei pra cá: a olhada pro chão.Nunca havia notado isso em SP. De forma geral, lá se olha pra frente, pro nada talvez. Olhares se encontram nas ruas rapidamente, e continuam. Simples assim. Aqui muita gente responde cumprimentos de "Oi" e "Bom Dia", mas muita gente também olha pro chão ao cruzar com você na rua. E isso sempre me incomodou. Mas pra esse rapaz, não sei porquê eu acabei adotando esse comportamento. Mexia no fone, olhava onde ia pisar : aquela calçada encerada de tão impecável, olha!- e seguia.
Mas nesse dia que começou tão comum, e eu subia as ruas seguindo esse mesmo script, em questão de segundos, olhares e sorrisos mudaram tudo: meu dia, meu caminho, a reprodução impensada dessa olhada pro chão.
 Como eu disse, o rapaz da bicicleta trabalha na esquina de baixo dessa rua que eu subia todos os dias. Na esquina de cima, uma casa estava em obras. Um dos pedreiros que trabalhava nessa obra, já havia me encarado de forma intimidadora algumas vezes. Eu encarava de volta, subia afastando pensamentos de medo, e justificando tudo com alguma paranóia minha, e de teimosa, não mudava o caminho não. Nesse dia, na hora que eu virei a esquina pra começar a subir essa rua, o tal pedreiro parou atrás do poste, com alguma coisa na mão, que eu não conseguia ver, e ficou ali, parado, olhando pra minha cara enquanto eu subia. Não quis voltar atrás e ir por outra rua, mas quanto mais eu subia, com mais medo eu ficava. Fui andando firme e procurando algum objeto no chão, galho, qualquer coisa que eu pudesse usar caso precisasse. Chegando perto já de onde ele estava, eu estava andando quase no meio da rua, disfarçando o medo que eu tava o máximo que podia, quando o rapaz da bicicleta aparece atravessando a avenida de cima. Senti um alívio enorme, pensando : agora se eu precisar gritar tem alguém pra ouvir!
Em questão de segundos vi de relance o cara que estava me assustando abaixar as mãos e dar um passo pra trás, enquanto o rapaz da bicicleta olhou pra ele, em seguida pra mim e se aproximou sorrindo e dizendo como se me conhecesse há séculos : Oi, tudo bem com você?
Eu não consigo explicar como essas palavras mais simples do mundo me fizeram bem naquela hora. Respondi extremamente grata que sim, estava. Ele acenou e continuou descendo, e o pedreiro ficou parado, olhando alternadamente pro rapaz e pra mim. Vi que ele jogou o que estava segurando pro lado , mas eu não quis nem saber o que era. Enquanto eu esperava um carro passar pra atravessar a avenida de cima já bem mais feliz e encorajada, vi que ele entrou de volta na obra, e o rapaz da bicicleta acenar mais uma vez antes de alguém abrir o portão pra ele.
 Desse dia em diante, mudei o caminho. E imagina a minha surpresa ao encontrar de vez em quando o mesmo rapaz que continua cumprimentando com um aceno e um sorriso toda vez que cruzamos os caminhos , agora em  outras ruas.
Eu não sei o nome dele, ele provavelmente também não sabe o meu. Aquele dia foi o único que trocamos algumas palavras. É engraçado, nunca conversei com ele e nem sei se um dia vou conversar. Mas tenho sempre uma sensação de profunda gratidão uma cumplicidade genuína quando nos vemos.
“ Um sorriso vale mais do que ele pode durar”- diz o poeta Lucão, e ele tá certo. Geralmente esse sorriso gratuito de um desconhecido vale um ânimo novo no meu dia, por mais bobo que isso pareça.
Quando se fala em sorrisos que nos fazem bem a gente já associa com crushs, amores platônicos, temas mais românticos. O que é uma verdadeira bobagem. A gente não precisa entender e classificar tudo em termos conhecidos. Um sorriso pode ser muito mais  significativo quando tem essa cumplicidade do que algum outro tipo de atração.
Parece um detalhe. Uma atitude tão simples, trivial pra muitos, uma coisa que passa despercebida tantas vezes, que me ajudou a lembrar que as pessoas não são sempre egoístas como muitas fazem parecer. Também me tirou daquela reprodução impensada de olhar pro chão, pra voltar a ser como sempre fui, olhando e sorrindo pra quem eu puder.
Verdade é que coisas simples pra mim geralmente são significativas e transformadoras, não é a toa que gosto tanto delas!
E que as vezes a gente só precisa ter coragem, seja de olhar pra frente, seja de sorrir quando tem vontade.
Aliás, você já sorriu hoje?


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