segunda-feira, 3 de julho de 2017

Sorriso no meio do caminho

Era um dia comum: daqueles cheios de nuvens com um ventinho fresco bem típico das manhãs. Eu estava subindo uma rua, no caminho que mantinha quase sempre pra ir pro trabalho.
Antes eu gostava de alternar as ruas, o máximo possível. Vantagens de se morar numa cidade pequena e planejada...a gente inventa alternativas pra rotina não nos sufocar por completo. Mas umas broncas de mãe preocupada que sempre me desencontrava no caminho me fizeram prometer manter sempre a mesma rota. Eu escolheria a que tivesse mais gente passando, mais flores, mais detalhes, pra não enjoar muito rapidamente. Mas no geral, as ruas são vazias, as flores ficam nas avenidas, os detalhes são sempre os mesmos. Acabei escolhendo pela rapidez mesmo.
Geralmente encontro poucas pessoas no caminho também indo trabalhar: umas três mulheres que vão em direção oposta e geralmente respondem meu "bom dia"; as vezes dois varredores de rua, que sempre respondem educadamente também, e dois homens de bicicleta : um que sobe a rua rápido em direção as avenidas, e outro que desce e trabalha bem na esquina da rua que eu viro. Tem dias que encontro ele sentado esperando alguém abrir o portão. Outras ele está descendo a rua. Pra esses dois da bicicleta eu não costumava falar bom dia, ou mesmo sorrir. Acabei adotando sem querer esse comportamento que me causa estranheza desde que mudei pra cá: a olhada pro chão.Nunca havia notado isso em SP. De forma geral, lá se olha pra frente, pro nada talvez. Olhares se encontram nas ruas rapidamente, e continuam. Simples assim. Aqui muita gente responde cumprimentos de "Oi" e "Bom Dia", mas muita gente também olha pro chão ao cruzar com você na rua. E isso sempre me incomodou. Mas pra esse rapaz, não sei porquê eu acabei adotando esse comportamento. Mexia no fone, olhava onde ia pisar : aquela calçada encerada de tão impecável, olha!- e seguia.
Mas nesse dia que começou tão comum, e eu subia as ruas seguindo esse mesmo script, em questão de segundos, olhares e sorrisos mudaram tudo: meu dia, meu caminho, a reprodução impensada dessa olhada pro chão.
 Como eu disse, o rapaz da bicicleta trabalha na esquina de baixo dessa rua que eu subia todos os dias. Na esquina de cima, uma casa estava em obras. Um dos pedreiros que trabalhava nessa obra, já havia me encarado de forma intimidadora algumas vezes. Eu encarava de volta, subia afastando pensamentos de medo, e justificando tudo com alguma paranóia minha, e de teimosa, não mudava o caminho não. Nesse dia, na hora que eu virei a esquina pra começar a subir essa rua, o tal pedreiro parou atrás do poste, com alguma coisa na mão, que eu não conseguia ver, e ficou ali, parado, olhando pra minha cara enquanto eu subia. Não quis voltar atrás e ir por outra rua, mas quanto mais eu subia, com mais medo eu ficava. Fui andando firme e procurando algum objeto no chão, galho, qualquer coisa que eu pudesse usar caso precisasse. Chegando perto já de onde ele estava, eu estava andando quase no meio da rua, disfarçando o medo que eu tava o máximo que podia, quando o rapaz da bicicleta aparece atravessando a avenida de cima. Senti um alívio enorme, pensando : agora se eu precisar gritar tem alguém pra ouvir!
Em questão de segundos vi de relance o cara que estava me assustando abaixar as mãos e dar um passo pra trás, enquanto o rapaz da bicicleta olhou pra ele, em seguida pra mim e se aproximou sorrindo e dizendo como se me conhecesse há séculos : Oi, tudo bem com você?
Eu não consigo explicar como essas palavras mais simples do mundo me fizeram bem naquela hora. Respondi extremamente grata que sim, estava. Ele acenou e continuou descendo, e o pedreiro ficou parado, olhando alternadamente pro rapaz e pra mim. Vi que ele jogou o que estava segurando pro lado , mas eu não quis nem saber o que era. Enquanto eu esperava um carro passar pra atravessar a avenida de cima já bem mais feliz e encorajada, vi que ele entrou de volta na obra, e o rapaz da bicicleta acenar mais uma vez antes de alguém abrir o portão pra ele.
 Desse dia em diante, mudei o caminho. E imagina a minha surpresa ao encontrar de vez em quando o mesmo rapaz que continua cumprimentando com um aceno e um sorriso toda vez que cruzamos os caminhos , agora em  outras ruas.
Eu não sei o nome dele, ele provavelmente também não sabe o meu. Aquele dia foi o único que trocamos algumas palavras. É engraçado, nunca conversei com ele e nem sei se um dia vou conversar. Mas tenho sempre uma sensação de profunda gratidão uma cumplicidade genuína quando nos vemos.
“ Um sorriso vale mais do que ele pode durar”- diz o poeta Lucão, e ele tá certo. Geralmente esse sorriso gratuito de um desconhecido vale um ânimo novo no meu dia, por mais bobo que isso pareça.
Quando se fala em sorrisos que nos fazem bem a gente já associa com crushs, amores platônicos, temas mais românticos. O que é uma verdadeira bobagem. A gente não precisa entender e classificar tudo em termos conhecidos. Um sorriso pode ser muito mais  significativo quando tem essa cumplicidade do que algum outro tipo de atração.
Parece um detalhe. Uma atitude tão simples, trivial pra muitos, uma coisa que passa despercebida tantas vezes, que me ajudou a lembrar que as pessoas não são sempre egoístas como muitas fazem parecer. Também me tirou daquela reprodução impensada de olhar pro chão, pra voltar a ser como sempre fui, olhando e sorrindo pra quem eu puder.
Verdade é que coisas simples pra mim geralmente são significativas e transformadoras, não é a toa que gosto tanto delas!
E que as vezes a gente só precisa ter coragem, seja de olhar pra frente, seja de sorrir quando tem vontade.
Aliás, você já sorriu hoje?


Créditos:
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