sábado, 19 de agosto de 2017

Das cartas que não entreguei #3

Campo Mourão, Outubro

 Tenho lido bastante ultimamente. Desde “quotes” do twitter, pinterest, blogs, poesias, notícias , contos.
Todos os dias. O máximo que consigo absorver.
Tenho a impressão que a palavra me alimenta, e que estou redescobrindo minha fome. Maioria das vezes parece que encontro nelas exatamente o que estou sentindo : " puxa que bom! Mais alguém pensa assim, não é coisa da minha cabeça, isso existe!”
Aliás, vou até parar nessa última expressão, porque  em ultima análise pra mim é isso mesmo : ao ser expresso em palavras minha alma reconhece finalmente a existência de algo.
Por isso tantas perguntas. Tantos textos. Tantas leituras.
Isso ficou muito nítido pra mim depois que você sumiu sem dizer nada. Claro, eu sei que a palavra solta no universo não diz tudo.
Tem o contexto, a situação, a intenção, tem a interpretação.
Tem as pausas. As escolhas.
Tem os silêncios.
Os olhares. Os sorrisos. Os gestos.
Os movimentos. O espaço. O tempo.
Junta tudo isso e outras coisas não ditas e daí sim, posso dizer que algo é, existe e ponto.
Eu sei que existem entrelinhas, subentendidos, implícitos e tantas coisas que exigem tudo de quem quer “ escutar ou saber” algo. Por muito tempo, considerei  suficiente esse diálogo não dito, entre o implícito que parece óbvio e a construção das minhas próprias conclusões e interpretações.
Mas de uns tempos pra cá, não considero. Não acredito. Não ouço, não vejo. Porque de fato não estou ouvindo nem vendo nada.
Pra uma pessoa ansiosa, com a mente fértil como a minha, isso pode se tornar um poço sem fim de angústias , conflitos, embates internos, resoluções que me fazem acreditar piamente que são respostas.
Até que a parte que não diz, finalmente solta um “ mas não está acontecendo nada”.

Posso ouvir o baque surdo de uma bomba lançada na minha alma :
Explosão, tudo ruindo. Aquela voz que diz “ realmente, tudo coisa da sua cabeça”.
O desespero de se sentir culpada e maluca ainda por cima.
Qualquer resposta minha começaria com um “ mas eu entendi....” e eu sei que isso é assumir tudo: culpa e dor, questionamentos e respostas, tudo.
Não, chega. Eu cansei disso aí. É uma verdadeira sacanagem. Palhaçada mesmo.
O mundo parece não saber, mas não se dá corda pra pessoas sensíveis e imaginativas. Mas já que não resistem e você parece ter seguido o mesmo caminho, posso controlar como respondo.
Não é de hoje que decidi levar as coisas dessa maneira: não falou claramente, não existe. Pode fazer o que quiser, tentar mostrar de todos os outros jeitos. Não acredito, não considero, não existe, fim.
Pode me chamar de exagerada, sempre fui, sou mesmo e isso você já sabia.
Cansei de escutar pessoas bem intencionadas com aquele ar complacente tentando me animar: " você que não quer enxergar, todo mundo tá vendo, é óbvio, fulano não é de falar, é de demonstrar, é uma pessoa tímida, nem todo mundo é como você” e por aí vai. Mas acredite, por experiência própria e um pouco de autodefesa também : enquanto não falar, não está acontecendo nada”.
Ainda assim corro risco quando dizem o que não querem realmente dizer. Que falam por falar. Mas a chance disso é menor do que se iludir com o que não é dito.
Há quem diga e acredite que atitudes valem mais do que palavras. Não é meu caso. Fique com atitudes sem nenhuma palavra, e você nunca entenderá o que realmente existe.  É a mesma sensação das palavras sem atitudes, só muda a forma.
Eu entendo as limitações dos diálogos.  To nessa postura de quem exige honestidade acreditando que é isso que eu ofereço, mas sei que não é bem assim. Quem fala muito nunca diz tudo, se você prestar bem atenção.
Então eu me esforço, pra ser o mais honesta e aberta possível. Mas primeiro comigo mesma. Aquilo que nem eu reconheço ou assumo direito não pode ser simplesmente ser jogado por aí em cima de qualquer pessoa, muito menos de você. Considero injusto isso. Então eu sei que existem limites.
Mas também sei que aquilo que eu não digo, você dificilmente tem como saber. Por mais esperto que seja. E a recíproca é verdadeira.
Posso lidar com sentimentos, fatos, circunstâncias, dificuldades e surpresas. Posso lidar com palavras que eu não gostaria de ouvir, e até com mentiras porque uma hora ou outra elas são desmascaradas. Sempre.
Só não me peça pra lidar com o indefinido assim, do não dito. Sinto muito. Isso eu não posso  e nem quero. O sentimento podia existir dentro de mim, sem muitos problemas, se sua palavra não tivesse trazido a existência uma esperança que eu nem contava ter. Não tenho poder de destruir isso. Por mais desgastado que esteja. Mas as palavras? Ahh elas tem. Então é isso : destrua de uma vez ou continue a construção. Essa estagnação é um desfavor  pra humanidade. Pra mim, pra você, pra todos os dias que não precisam ser espera.
Sinceramente, não sei muito bem como me despedir hoje...se cuida.
bj, Gabi


sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Das cartas que não entreguei #2

Campo Mourão, Junho

Faz poucos dias que  decidi criar uma série de postagens com essas cartas. Lendo e organizando meus rascunhos,  percebi que os relatos e sentimentos que estão nelas não me afetam mais.
Vi ali parte da minha história, e  me senti pronta pra expor esse lado mais íntimo, mais particular.  Até porque  sempre me identifico com escritores que expõe sentimentos, com toda carga que eles têm. E a maioria dessas cartas faz exatamente isso: expõe meus sentimentos, antes de tudo, pra mim.
Eu tava mega empolgada organizando e retomando alguns rascunhos interminados, e sentia que mesmo tendo  textos recentes e antigos, tudo misturado, iria inaugurar uma fase nova no blog, na escrita e tudo mais.
 Mas bem no meio disso você reapareceu, sem mostrar muito as caras.
Confesso que fiquei  surpresa, afinal já faz tanto tempo!
De certa forma eu sabia que existia essa possibilidade. Pode chamar de intuição, sexto sentido, o que quiser. Eu não sei o que é. Sei que de alguma forma,  quando vi, encontrei até justificativas pra minha desconfiança.
E aí pensei que encontrar uma carta -ou um desses textos mais confessionais que eu sempre fiz-  escrito pra você poderia ser interessante. Não só pra ver mudanças de pensamento, mas pela questão dos textos também.
Eu quase perdi tempo procurando, até que me lembrei:  pra você eu entreguei todas; todas as cartas escritas, todos os textos, todas as linhas e palavras .
E não foram poucas, você sabe. Também não vou mentir, fiquei pensando sobre isso. O que mudou, que depois de você eu escrevi e guardei tantos textos e cartas?
Ter entregado todas não quer dizer que tenha dito tudo que queria ter dito sempre. Tem vezes que as palavras somem. Outras parecem tão vazias e insuficientes!
Tem vezes que a distância que sentimos se formar nos faz silenciar, desde  a boca até as mãos.
Então não, não foi isso de ter dito tudo. Apesar que hoje também, isso não faz diferença mais, faz? Acho que não. Então por quê estou escrevendo uma carta pra você? Sinceramente, não sei...
Acho que foi vontade de te incluir junto com os outros destinatários. Porque você também fez parte da minha história. E acredito que foi o que mais leu palavras minhas.
  Só que é estranho, parece que já dissemos tudo né?
Podem dizer o que for. Carta é uma conversa. Eu sei que enquanto você está lendo, consegue pelo menos imaginar o tom, a cor que eu dou pra cada palavra, cada pausa. E que seu olhar, sorriso, franzir da testa, mão no queixo, qualquer reação é um tipo  de resposta. Respostas suas, que eu não to vendo, mas sei que estão acontecendo.
Nesse exato momento você está enchendo essas linhas com o sentido que você acredita ser o melhor pra elas. E fatalmente vai responder:  com sorrisos, cara fechada ou silêncio.
Mas percebe, tem ainda algo pra dizer? Parece que não.
Tenho a impressão que passamos todas as fases. Dizem que tem negação, raiva, depressão, aceitação...são essas não são, que dizem por aí? Não vou aqui ficar falando de cada uma delas. Já foi, faz parte, vivemos, crescemos.
Eu só não imaginava que voltaria a te encontrar nesse mundo tão grande, mesmo que virtualmente.
Nem tanto porque eu queria isso, mas porque sempre tive certeza que era o que você queria. Então você reaparecer foi meio desconcertante. Tive aquela sensação de “ mas o que está acontecendo?”
Deve ser por isso que resolvi escrever. Essa sensação parece estar presente em todas as vezes que fiz essas cartas que ficaram comigo até hoje.
As vezes escrevendo encontro um pouco de clareza, de leveza, e paro com essa mania tão inútil de querer entender tudo.
 Mas sabe, achei interessante essa sincronia entre você , o blog, as cartas. Tudo meio que se encontrou de uma maneira inusitada. Até mesmo aquele menino da escola que eu trabalho, aquele que tem seus olhos, passou a vir mais aqui na Biblioteca. Sempre fazendo gracinhas, sempre me lembrando desse seu lado que me fazia chorar de tanto rir tantas vezes.
  Então, acho que é isso. Não tem um motivo muito específico no fim das contas. Só me parecia estranho que justo você ficasse sem uma carta dessas, sem se reconhecer em alguma linha, caso ainda esteja aparecendo por aqui.
Essa carta é pra você. Que você reconheça nas entrelinhas minhas lembranças gratas por ter lido todas as cartas que pude entregar.


                                                      Se cuida, Deus te abençoe,


                                                                                bjo, Gabi