segunda-feira, 13 de março de 2017

Podar hortênsias...

 O cenário não era exatamente como esse, mas imagine você um canteiro cheio de hortênsias azuis e roxas, despontando pra todos os lados diante dos olhos de uma paulistana desacostumada com natureza e maravilhada com qualquer flor que via pela frente.
  Não deu muito tempo de pensar por quê fui conduzida até ali, depois de terminar uma parte da “ manutenção” na cozinha. Em questão de segundos, com a mão rápida e uma faquinha simples, o Robson -obreiro da base responsável por aquele tempo- cortou uma flor no caule, e esticando um saco de lixo me disse “ Você vai cortando elas e depois joga aqui”.
  Eu não consegui esconder minha surpresa e indignação por aquilo: “ O quê? Mas por quê cortar? Estão tão lindas!”
 “ Porque se você não cortar as velhas, elas vão impedir as novas de nascer”.
 Aquela resposta calou fundo na minha alma. Já comecei a chorar naquela hora. E cada movimento que eu fazia com aquela faquinha, morrendo de dó no começo, mexeu comigo de uma forma tão profunda que não consigo expressar em palavras.
  E desde então, volte e meia ela ecoa em mim me lembrando que já é hora de “ podar hortênsias novamente”. Percebi esse aviso insistindo comigo no último mês que passou. 
  Fevereiro é um mês que desde 2010 é vivido cheio de saudades. Marca o início da minha ETED naquele ano. E embora eu já tenha considerado ESSA a melhor época da minha curta vida rs, hoje considero que foi o início.
 Início marca mesmo, cheio de novidades, surpresas, euforia, direções, mudanças. E é meio normal que eu lembre muito mais dos momentos bons, agradáveis, momentos libertadores e renovadores do que todos os difíceis, dolorosos, confrontadores, mas igualmente transformadores.
 A questão é que lembrando só coisas boas, fica difícil não pensar que se quer viver aquilo novamente, mesmo que em outras circunstâncias , lugar ou mesmo com outras pessoas.E isso não estava alimentando mais esperança ou determinação para mudar, mas ansiedade para sair do lugar e das circunstâncias atuais, de qualquer jeito. Porque elas não são, nem nunca serão sequer parecidas com aquela época. E isso parecia a pior coisa, olhando com toda a perspectiva da saudade e ansiedade enchendo minha visão.
  Resolvi lembrar dos momentos difíceis, pesados, aqueles que me senti profundamente deslocada, ferida, ou exausta, qualquer coisa desse tipo. Diz minha mãe que o meu maior problema é minha memória que é “ muito boa”.
Discordo do adjetivo, porque uma memória muito boa, filtra as coisas. Aparentemente a minha não filtra nada. Lembro de coisas absurdas com uma riqueza de detalhes, que chega a me cansar.
  Mas voltemos: consegui lembrar o suficiente pra perceber que momentos assim sempre existiram, independente do lugar, circunstâncias ou pessoas.   Mesmo com algumas reflexões boas, momentos necessários de reforçar princípios, o peso de ficar carregando tantas lembranças diversas parecia estar me esmagando.
 “ Se você não cortar as velhas, elas vão impedir as novas de crescer”- era o sussurro de uma das lembranças mais necessárias nesses dias.
   Nesse mesmo tempo, de readequação do que eu deveria manter comigo e o que já poderia cortar, recebi uma notícia que naqueles dias, me deixou profundamente triste: o obreiro que havia me ensinado justamente essa lição, e tantas outras igualmente preciosas, faleceu. A morte nunca é fácil de encarar. Mas lidando com tantas saudades, doeu demais. Levei alguns dias pra conseguir assimilar que o mesmo Deus que me permitiu conhecê-lo, conhecer sua família, e conhecer mais de Deus através Dele de uma forma tão prática, permite que todas as coisas cooperem para o bem daqueles que O amam.E que embora para nós, a vida dele pareça ter sido “ cortada”, ela apenas deu espaço pra nova vida, eterna e verdadeira aparecer.Perdi contanto com esse obreiro e sua família, pouco tempo depois que saí da base. Mas o que ele me ensinou, com sua vida, liderança, exemplo e palavras na manutenção permaneceu comigo todos os dias desde então.
  Hoje enquanto escrevo me encho de coragem pra continuar cortando as “ hortênsias da minha alma".Percebi que fazer isso não é necessariamente esquecer; é penas reconhecer o tempo e o espaço que cada coisa tem pra acontecer. É ter certeza que muito do que constitui essas lembranças já se infiltrou nas minhas raízes e faz parte de mim, me nutrindo de esperança, fé, força pra viver todos os dias.
 Podar hortênsias me  lembrou que muito mais importante  do que manter qualquer coisa bonita mas morrendo,  é deixar a vida fluir, pois nesse movimento sempre há flores novas para nascer!