domingo, 31 de julho de 2016

Dos dias em SP- centro cultural e outras descobertas

  Fui caminhando rumo ao meu alvo, que era realizar o sonho de conhecer o centro cultural. Engraçado que quanto mais perto eu chegava, mais desconfiada eu me sentia, porque não sabia se estava no caminho certo. Segui indicações do áudio de uma amiga, e confiei.
  E foi tão incrivelmente recompensador chegar lá, e saber que fiz certo em confiar nela.
 A emoção era imensa ao chegar lá, além da sensação de : pq não fiz isso antes? Tão fácil!
  Entrei. Parecia outro mundo se descortinando na minha frente. Um silêncio de paz. Pessoas estudando, observando, conversando baixo.
  Todo tipo de pessoa. Lindo de se ver.
Fui andando feliz, admirando tudo, desde o chão até o teto rs. Comecei a descer as rampas, como quem tá num parque de diversões. 
 Quando cheguei na entrada da biblioteca, e vi que precisava fazer cadastro, avisei que não tinha. A moça pede meu RG. Vc levou o seu RG? Pq eu, pela primeira vez na vida, esqueci. E sério, foi a primeira vez. O desespero de abrir a carteira e confirmar  que não estava lá. Eu vou com rg até na padaria!
  Voltei pro balcão, e falei: "Moça, to sem rg. Tenho título de eleitor, a carteirinha do meu serviço, serve?
 Ela diz: vc vai estudar?
E eu: não, vim só conhecer. Não moro aqui, to passeando. E ela: vc sabe o número do rg?
E eu, sem pensar : não. É novo, não decorei.
 Me julgue, eu sei o antigo. Esse já tem mais de 1 ano, mas criei um bloqueio com ele por ter mudado o numero. Nem pensei em falar o velho...
 Ela diz: "se vc soubesse o numero eu podia quebrar seu galho."
 Uma fila atrás de mim. Fiquei parada, pensando em sair dali, e voltar outro dia. Aquele pensamento: poxa, mas tava tão perto!
 Sei que inesperadamente, surgiu uma coragem que me fez perguntar: e seu conseguir o numero? Ligar pra alguém? Vc me deixa entrar?
  E ela, extremamente compreensiva, aceitou. Liguei, fui salva e me cadastrei rs.
Aquela sensação de conspiração pra eu conhecer...os carinhas da portaria super de boa comigo, pareciam compartilhar a sensação de : ajudei uma turista tadinha. Kkkk mal sabem eles que nasci e cresci em SP....kkkk
Desci as rampas da biblioteca como se fosse a entrada do mundo. Que lugar incrível! Óbvio que eu parei em tudo. Todas as fotos, exposições, tudo que eu pudesse ver!
 E tirei foto de tudo também. Umas 200. Aquela ideia de que poderia compartilhar o momento com alguém depois. Mas não sei se isso é possível no fim. Porque foi muito impressionante.
 As sensações e emoções que cada obra, cada foto, cada letra, cada desenho provocam são muito pessoais. E eu tava parecendo flutuar, naquele mundo que parecia tão incrível e tão conhecido...rs.
  Não entendo de cartoons, mas me senti tão próxima vendo a exposição ali. Não entendo de jazz, mas me senti num show americano, enquanto olhava as fotos. Não sou leitora de gibis, mas amei ver aquela diversidade do acervo. Como a acessibilidade tem o poder de incluir a gente em coisas que a gente nem pensa tanto assim.
  Deixei a biblioteca por ultimo, por motivos óbvios. Não quis ler lá, pq seria o resto do dia fazendo apenas isso; e o foco continuava sendo coisas novas.
 Mas nossa, que lugar incrível! Que acervo impressionante! Não sei porque, amo andar nos corredores e só olhar as lombadas...as cores, os tamanhos, mesmo sem ver os títulos. Pra mim é como ver milhões de mundos dispostos na minha frente.
  Resolvi olhar a discoteca. Ouvir musicas de folclore nordestino. Muito legal!
 Subi pra ver as exposições do lado esquerdo. Foi aí que tudo mudou. Até ali eu tava olhando, com aquela sensação de admiradora. 
 Então cheguei numa exposição interativa de trabalhos artísticos, feitos por crianças de 5 a 12 anos, numa instituição pública de iniciação artística, q eu nunca havia escutado falar.
  Fascinante não define. Como criança tem um olhar e uma linguagem que impressiona. Que convida, que acolhe, que transcende. Que é leve, divertido, colorido, feliz, e sensivelmente sincero, esperançoso. Eu amei cada detalhe!
  Li todas as descrições, parecia estar vendo grupos delas se expressando. Fiquei tão feliz de saber que existe isso! E ao mesmo tempo, tão triste de saber que não é acessível a todos.
  Passei um bom tempo ali. Aprendendo o máximo que pude, admirando o máximo que pude, pq aquilo foi um presente pra mim.
 Depois, mais duas exposições fotográficas muito legais...como a gente aprende com o olhar do outro! Como é maravilhoso saber que existem pessoas dispostas a compartilhar seus olhares, como isso enriquece!
  Voltei pro metrô, porque já estava satisfeita. Senti que se melhorasse estragava rs. E voltei, toda feliz de saber que dificilmente alguém compartilharia o gosto que senti ao estar ali. Dificilmente poderia compartilhar tudo que vivi ali em palavras...embora essa seja uma tentativa.
  Foi um dia impressionante. E aconteceram outras coisas, outros dias. Mas eu queria falar desse dia. Porque mudou minha perspectiva. Percebi que passear sozinha pode ser ótimo. E que não é algo a ser evitado. 
 Apenas desfrutado, porque afinal, nunca estamos sozinhos.

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quarta-feira, 20 de julho de 2016

Dos dias em SP- parte 2

   Continuei meu caminho. Dentro do metrô, outros tipos de reflexões...outras pessoas. Estar sozinha me fez muito mais observadora rs.
  Desci na estação Paulista. Tinha um foco, é verdade: bazar e depois centro cultural.  Mas no caminho, tinha um dos lugares que eu mais gosto no Universo: Livraria Cultura, do Conjunto Nacional *_* 
Por que não, descer, dar uma volta e depois ir nesses lugares? 
 Quebrei minhas próprias regras, coisa que estou amando fazer, e fui. Andei em seções que não olhava muito. Tirei fotos de ângulos diferentes. Li um livro infantil, pra variar. Entrei na Geek também, só pra olhar. E me senti muito dona de mim, e feliz.
 Caminhei pela Paulista, dessa vez, olhando outras coisas. E achei muito interessante que a maioria esmagadora estava sozinha também. Seja qual for o motivo, é uma condição bem comum na sociedade hoje, e olha que coisa :estar sozinha ali também, fez com que eu me sentisse mais próxima dessas pessoas desconhecidas.
  Fiquei surpresa como as coisas mudam em pouco tempo. E mais surpresa ainda de ninguém me reconhecer na antiga igreja, onde foi o bazar. Diziam: VOCÊ mudou muito. E eu fiquei pensando, se toda a mudança interna estava assim, tão externalizada...porque eu não notei isso rs.
  Achei muito divertido, confesso. Passou o bazar, subi pra Paulista de novo, onde vi o tal shopping "novo" que eu não conhecia :Cidade São Paulo.
  A ideia era ver a praça de alimentação. As 13. Lotado é apelido. Mas fui. Gente chique ali. Eu felizona com minha regata e tênis velho. Sério.
 Mas vivi uma experiência legal: tinha uma exposição de móveis gigantes. Filas pra tirar foto neles. Eu fui numa poltrona laranja, uma das cores que eu mais amo, pensando: todo mundo tem alguém pra tirar foto, como que eu vou fazer? Selfie não dá. Não vai dar pra ver o tamanho. Pedi pra organizadora da fila. Ela disse q era proibido pra ela e pros seguranças tirar foto. Pra pedir pra alguém da fila. Isso acompanhado de mil desculpas.
Atrás de mim não tinha ninguém.Orei né. até que apareceu uma mulher com uma senhora, e pedi a ela. Ela super topou. Depois q ela tirou as minhas, outras pessoas sozinhas surgiram da fila, pedindo pra eu tirar pra elas... me senti num momento único de “ existe amor em SP”, vamos compartilhar, não custa nada, e foi o máximo ( olha a foto aqui, que alegria: existe amor em SP + poltrona laranja).
  Acabei não comendo nada, mas saindo de lá com a alma alimentada. De verdade.
  E fui, caminhando pro centro cultural, seguindo orientações de uma amiga ( oi Tamíres linda).
No caminho , algumas coisas me chamaram atenção:
 No dia anterior, eu tinha visto um senhor tocando violão com seu amplificador na frente do conjunto nacional. O que aqui, é super comum. Parei pra tirar foto, e minha irmã disse: não acredito que você vai tirar foto disso. 
 E eu : " Acho o máximo a coragem dessas pessoas, de fazer o que gostam assim. Admiro mesmo. Ele não tá nem aí pro que os outros pensam, no sentido de : estou seguindo meu sonho. Ao mesmo tempo, essa postura corajosa tem tanta generosidade...porque pensa: ele compartilha o que ele tem de melhor, com qualquer pessoa. Com todos ou com  ninguém. Ele simplesmente doa o dom dele ali, na rua. Espera receber alguma coisa? Provavelmente. Mas não está condicionado a isso. Acho isso lindo".
  E ela me disse q ninguém nunca disse isso pra ela kkkkk; e achei justo então, compartilhar isso AQUI :)
  E porque na quarta, vi outros exemplos de pessoas corajosas/generosas: um cara com uma guitarra, fazendo mil distorções. Apenas. Nenhuma melodia. Ninguém parado pra olhar. Depois, vi um senhor cantando em inglês enquanto lia um caderno com as letras no chão...rs...e achei divertido, e novamente, ninguém parecia notar.
 Um pouco mais pra frente também tinha um rapaz , vestido tipo Jonas Brothers, rsrs, com um banjo, encostado num corrimão, parecendo nem tocar.
  E talvez ele nem estivesse mesmo. Não tinha amplificador, o barulho dos ônibus impedia de ouvir qualquer coisa ali, e acho que nem ele estava se ouvindo. Fiquei pensando o que ele estava fazendo ali então...rs, ou o que pensava que estava fazendo. E como a gente também se ilude sozinho, porque é isso que ele representou pra mim. 
  Depois, nos semáforos de cruzamento, onde se reúnem multidões pra atravessar junto, reparei uma coisa : ao mesmo tempo que vi empresários com ternos carésimos e iphones, moças de salto e bolsas caras, estudantes com fone e dreads, um morador de rua, bem no meio de todos, do meu lado, esperava pra atravessar também ,descalço, enrolado num cobertor, de boa. Ao lado do cara de iphone. E percebi que SP tem essa falsa inclusão muito latente. O cara pode andar ali, pode parar do lado de quem for, ninguém vai se incomodar. Mas é justamente isso que me deixou perplexa...e como se ele não existisse. Ninguém olhou pra ele. Tá, eu sempre vi isso, mas não com esses pensamentos. 
  A gente sabe que todo mundo pode andar na paulista,( ou em outros lugares) do jeito que quiser, e ninguém vai falar nada. Mas também, percebe? Não será sequer notado, principalmente se for uma pessoa marginalizada. Muito complicado isso.
  Continuei caminhando e observando essas cenas. Moradores de rua nos corrimãos de prédios lindíssimos e antigos. Do lado de seguranças. Ninguém parecia notar ninguém. Cada um olhando pra um nada na sua frente. Parecendo coexistir em paz, mas que paz existe nessa desigualdade absurda?
  Não existe.  Silencio nem sempre é paz.

E eu andando, também sem saber o que fazer além de pensar e olhar. Observando os silêncios de outras pessoas. Pensando sobre os vários desdobramentos de se estar sozinho num lugar tão grande e cheio de gente.
 ( continua...)

Créditos das fotos:Beatriz Ramos Fotografia

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Dos dias em SP- parte 1





Tudo começou bem antes de chegar aqui. Quando decidi que iria viver coisas novas. Fazer coisas diferentes do que estou acostumada, ir a lugares diferentes, em horários diferentes, enfim:viver novidades. Mesmo sendo a cidade que nasci e cresci, tinha certeza absoluta de que o que não faltam aqui são possibilidades. Me organizei pra isso, pesquisando coisas e deixando dias em branco. Tudo pra viver a experiência ao máximo, no que depender de mim.
  E graças a Deus as coisas estavam caminhando muito bem. Não estava saindo completamente da minha zona de conforto, mas estava determinada, e vencendo um dia por vez.
  Até que surgiu, no quarto dia, a chance única de superar muitas das limitações que eu sentia ter: passear SOZINHA.
" Tá, isso é mega comum" - você deve estar pensando. Mas pra mim não.
Andar sozinha é uma coisa. Passear sozinha é outra.
 Óbvio que ando sozinha faz muito tempo, mesmo sem gostar: pra estudar, trabalhar, até o caminho pra encontrar alguém, ensaiar, ir pra igreja, whatever.  Mas passear, era algo NOVO. Anyway. Claro que eu fui: empolgada, determinada, ansiosa, mil sentimentos e pensamentos juntos.
Peguei carona até uma estação de metrô mais próxima do meu destino, o que já foi algo diferente...nunca tinha feito aquele caminho. Nunca tinha andado naquelas ruas.
  Uma mistura de sensações...me sentia desbravando a minha própria cidade. Fui sem aquele medo de me perder, porque aqui sei os caminhos pra me encontrar novamente, e com a cara de " sou daqui , to com pressa e sei pra onde to indo".
 O início do trajeto era um trecho do centro antigo, próximo ao metrô República. (Engraçado que a primeira vez na vida que andei sozinha por um longo trecho,foi do outro lado desse mesmo metrô rs, há 15 anos atrás ! rá, tempo pra caramba! Dessa vez, tava numa rua que só conhecia de carro, ônibus, ou seja, muito pouco).
  Um lugar bonito e meio misterioso pra mim. Prédios antigos lindos, árvores enormes que projetavam sombras maiores ainda, maioria da galera nos pontos de ônibus ou carros, uma praça que achei melhor não arriscar rs, calçadas largas.
  Vi moradores de rua que gritam e tacam coisas, muito perto, coisa que eu acho muito chata e assustadora. Vi prédios lindos que eu queria tirar fotos, envolvida no sentimento de pseudo turista; mas o medo completamente plausível de roubarem meu celular impediu. Uma pena, um medo bobo e real, pode me julgar.
 Até que cheguei no metrô. E a sensação de estar em casa voltou. Lá também, devo ter mó cara de “ pode pedir ajuda pra mim, eu ajudo o que eu puder”, porque todos os pedintes ,os que gritavam, ou não, vieram. Isso sempre. Incrível. 
 E mesmo sendo paulista e desconfiada até o último fio de cabelo, me compadeço deles sim, e respondo todos. O que tava no guichê das passagens, particularmente chamou minha atenção.
 Era um rapaz bonito,embora estivesse sujo, enrolado num cobertor. Gritava com força pra quem fingia não vê-lo. Eu tava com a passagem contadinha, e detesto essa situação dos gritos.
  Quando encostei no guichê, olhei nos olhos dele. Alguma curiosidade doida pra saber se ele iria gritar me fez fazer isso, e ele pediu um bilhete, olha só que impressionante: numa voz baixa e calma, olhando também pra mim. Respondi honestamente : só tenho dinheiro pra 1 bilhete, mas te dou o troco pra você conseguir completar sua passagem.
  Ele fechou os olhos e chorou. Pegou o troco, apertou os olhos e virou a cabeça pra cima, pra encerrar aquelas duas lágrimas. O que de fato aconteceu, e eu saí.
 E a verdade é que eu nunca vou saber o verdadeiro significado daquele quase choro. Mas foram segundos impactantes. Se eu pudesse dar uma passagem, que é o que ele pediu, eu daria. Só que preferia poder oferecer a passagem, uma comida, uma direção pra ele, e tantos outros. Que gritam, mas também choram. Queria compartilhar mais, do tanto que recebo, do tanto que ele precisava.
   Não foi possível. O que foi possível foi olhar. E olhar pra ele sem medo. Olhar pra ele como gente, como alguém que tem dignidade, mesmo que tudo diga que não. E ser honesta. Pude compartilhar um pouco de respeito e verdade. E não sei, sou muito romântica, mas acho que é o mínimo que se pode fazer, e talvez o máximo que ele tenha recebido até então.

  Não deu tempo de dar  dois passos, outro cara, provavelmente imigrante, pelo sotaque, também veio pedir moedas. Esse não gerou em mim a mesma empatia. Engraçado como selecionamos involuntariamente quem nos comove ou não, por padrões tão bestas. Mas não tinha mais moedas, e compartilhei minha sinceridade mais uma vez. 
 Ele não chorou, provavelmente nem ligou. E eu continuei andando.
 Descendo as escadas e pensando nessa troca da vida. Nesses momentos de vulnerabilidade, de exposição, de compartilhar necessidades e fraquezas, com gritos ou com calma. E percebi o quanto minha expectativa ao viver esses momentos, se parece com a resposta que eu dei: um olhar de respeito, e palavras honestas.
  (...) continua
  
Créditos da foto do metrô :  página da Beatriz Ramos fotografia  , vai lá :)