segunda-feira, 18 de julho de 2016

Dos dias em SP- parte 1





Tudo começou bem antes de chegar aqui. Quando decidi que iria viver coisas novas. Fazer coisas diferentes do que estou acostumada, ir a lugares diferentes, em horários diferentes, enfim:viver novidades. Mesmo sendo a cidade que nasci e cresci, tinha certeza absoluta de que o que não faltam aqui são possibilidades. Me organizei pra isso, pesquisando coisas e deixando dias em branco. Tudo pra viver a experiência ao máximo, no que depender de mim.
  E graças a Deus as coisas estavam caminhando muito bem. Não estava saindo completamente da minha zona de conforto, mas estava determinada, e vencendo um dia por vez.
  Até que surgiu, no quarto dia, a chance única de superar muitas das limitações que eu sentia ter: passear SOZINHA.
" Tá, isso é mega comum" - você deve estar pensando. Mas pra mim não.
Andar sozinha é uma coisa. Passear sozinha é outra.
 Óbvio que ando sozinha faz muito tempo, mesmo sem gostar: pra estudar, trabalhar, até o caminho pra encontrar alguém, ensaiar, ir pra igreja, whatever.  Mas passear, era algo NOVO. Anyway. Claro que eu fui: empolgada, determinada, ansiosa, mil sentimentos e pensamentos juntos.
Peguei carona até uma estação de metrô mais próxima do meu destino, o que já foi algo diferente...nunca tinha feito aquele caminho. Nunca tinha andado naquelas ruas.
  Uma mistura de sensações...me sentia desbravando a minha própria cidade. Fui sem aquele medo de me perder, porque aqui sei os caminhos pra me encontrar novamente, e com a cara de " sou daqui , to com pressa e sei pra onde to indo".
 O início do trajeto era um trecho do centro antigo, próximo ao metrô República. (Engraçado que a primeira vez na vida que andei sozinha por um longo trecho,foi do outro lado desse mesmo metrô rs, há 15 anos atrás ! rá, tempo pra caramba! Dessa vez, tava numa rua que só conhecia de carro, ônibus, ou seja, muito pouco).
  Um lugar bonito e meio misterioso pra mim. Prédios antigos lindos, árvores enormes que projetavam sombras maiores ainda, maioria da galera nos pontos de ônibus ou carros, uma praça que achei melhor não arriscar rs, calçadas largas.
  Vi moradores de rua que gritam e tacam coisas, muito perto, coisa que eu acho muito chata e assustadora. Vi prédios lindos que eu queria tirar fotos, envolvida no sentimento de pseudo turista; mas o medo completamente plausível de roubarem meu celular impediu. Uma pena, um medo bobo e real, pode me julgar.
 Até que cheguei no metrô. E a sensação de estar em casa voltou. Lá também, devo ter mó cara de “ pode pedir ajuda pra mim, eu ajudo o que eu puder”, porque todos os pedintes ,os que gritavam, ou não, vieram. Isso sempre. Incrível. 
 E mesmo sendo paulista e desconfiada até o último fio de cabelo, me compadeço deles sim, e respondo todos. O que tava no guichê das passagens, particularmente chamou minha atenção.
 Era um rapaz bonito,embora estivesse sujo, enrolado num cobertor. Gritava com força pra quem fingia não vê-lo. Eu tava com a passagem contadinha, e detesto essa situação dos gritos.
  Quando encostei no guichê, olhei nos olhos dele. Alguma curiosidade doida pra saber se ele iria gritar me fez fazer isso, e ele pediu um bilhete, olha só que impressionante: numa voz baixa e calma, olhando também pra mim. Respondi honestamente : só tenho dinheiro pra 1 bilhete, mas te dou o troco pra você conseguir completar sua passagem.
  Ele fechou os olhos e chorou. Pegou o troco, apertou os olhos e virou a cabeça pra cima, pra encerrar aquelas duas lágrimas. O que de fato aconteceu, e eu saí.
 E a verdade é que eu nunca vou saber o verdadeiro significado daquele quase choro. Mas foram segundos impactantes. Se eu pudesse dar uma passagem, que é o que ele pediu, eu daria. Só que preferia poder oferecer a passagem, uma comida, uma direção pra ele, e tantos outros. Que gritam, mas também choram. Queria compartilhar mais, do tanto que recebo, do tanto que ele precisava.
   Não foi possível. O que foi possível foi olhar. E olhar pra ele sem medo. Olhar pra ele como gente, como alguém que tem dignidade, mesmo que tudo diga que não. E ser honesta. Pude compartilhar um pouco de respeito e verdade. E não sei, sou muito romântica, mas acho que é o mínimo que se pode fazer, e talvez o máximo que ele tenha recebido até então.

  Não deu tempo de dar  dois passos, outro cara, provavelmente imigrante, pelo sotaque, também veio pedir moedas. Esse não gerou em mim a mesma empatia. Engraçado como selecionamos involuntariamente quem nos comove ou não, por padrões tão bestas. Mas não tinha mais moedas, e compartilhei minha sinceridade mais uma vez. 
 Ele não chorou, provavelmente nem ligou. E eu continuei andando.
 Descendo as escadas e pensando nessa troca da vida. Nesses momentos de vulnerabilidade, de exposição, de compartilhar necessidades e fraquezas, com gritos ou com calma. E percebi o quanto minha expectativa ao viver esses momentos, se parece com a resposta que eu dei: um olhar de respeito, e palavras honestas.
  (...) continua
  
Créditos da foto do metrô :  página da Beatriz Ramos fotografia  , vai lá :)

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