A casa tinha um ar de abandonada, sem muro. O terreno ao lado era baldio, também sem muro, de esquina. Estava cercada de calçadas e mato.
Não parecia ter pintura, se tivesse, estava tão desgastada que mais parecia cimento. Tinha uma porta, que parecia de alumínio. Pintada ( parecia azul? não tenho certeza) e duas janelas. Estranhamente limpas.
A porta dava pro
mato, que crescia alto ali, chegava na altura da maçaneta.
As Janelas pareciam
ter cortinas. estranhamente limpas.
Eu estava apenas passando em frente. Não parei pra analisar,
mas a imagem está viva como uma foto na minha mente. Tanto que passei o dia
todo fazendo mil outras coisas, e agora que parei, o que lembrei? Da casa com
porta no mato e janelas limpas. Todas fechadas; mas por algum motivo, não
parecia totalmente abandonada (apesar de ser essa a primeira impressão de quem
passa sem olhar muito).
Tinha alguém ali?
Numa casa, sem muro, cercada de mato e calçadas? Não é uma
região descampada. Ali é quase 'centro'. Tem casas, comércio, escola, igreja,
padaria, gente passando o tempo todo. Até um ponto de ônibus abandonado tem
ali, em frente a casa.
Eu fiquei pensando
naquela casa fechada, sem muro, e janelas limpas.
Casa é abrigo, refúgio. Não esconderijo, cativeiro.
Só tinha mato em frente a porta, mas a impressão que eu
tinha ao olhar é que a ideia era não sair dali. Ou entrar.
As janelas estavam
fechadas. Embora tivesse um objeto na da esquerda, que parecia estar segurando
ela fechada, por dentro inclusive.
Tinha alguém ali? Como?
Casa sem saída é
prisão.
Como alguém vive assim?
Sem sair e ver o céu cinza e o verde escuro das mangueiras ,
ainda mais verde contrastando com o céu de que vai chover.
As flores roxas da
árvore que minha avó gosta parecendo acender, de tão vivas que ficam nesse
contraste específico.
Pessoas caminhando
com suas roupas de academia, e passos firmes e contínuos.
Velhinhas com sacolas, as vezes chapéus, as vezes viseiras,
que sorriem simpáticas pra qualquer um que cruze com elas na rua, mas que em
casa quase sempre são irritadas , e quem não as conhece só pega essa meiguice
do olhar e sorriso, e quase esquece que pode ser que elas nem deveriam estar
andando ali sozinhas.
Tem o caramelo também,
patrimônio nacional. Clássico. Meme. Em qualquer rua tem.
Calçadas limpíssimas, chega a dar raiva, pq se cair uma gota
enquanto estamos na rua, viram um sabão.
Gente que tá indo
trabalhar, gente que tá indo conversar, gente que passa só por passar. Isso pq
é uma cidade calma e parada. E mesmo assim, dá pra ver tanta coisa!
‘ O mundo ‘ é fora, não dentro da casa.
E ele não existe pra assustar, é pra viver. E tem tanta vida
aqui fora! Mesmo na rua mais pacata, no caminho mais comum, do dia cinza, da
rotina cansativa de uma sexta feira.
O mundo tem tanta
coisa pra olhar! A casa, na verdade , existe pra gente voltar. Não ficar.
Alguém já falou pra essa pessoa da casa fechada, cercada de
mato e janelas limpas?
" Hei, abre a janela! Deixa a luz e o ar entrar.
Inspira. Olha, acostuma os olhos, os ouvidos, começa a olhar
: aqui é só uma parte. Um lugar pra voltar. A vida mesmo é aqui fora. Não é tão
assustadora como te fizeram pensar.
Bóra sair, bóra ver,
bóra olhar, bóra viver?
Fiquei com vontade de ir lá e falar.
Mas falei pra mim. Porque não é só da casa, que existe, que eu
precisava falar.
obs: vi a casa um dia depois da terapia dra. Tudo fala. obrigada
por vir me falar.