quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Migalhas - parte 1

   Desde de manhã, no caminho pro serviço, tenho pensado numa lição que minha mãe repete pra mim desde que me lembro :
" Não aceite migalhas. Não consuma elas, e nem se contente com elas"
   Migalhas não alimentam, não saciam, não cumprem o papel básico do alimento. Elas são literalmente restos, pedaços que se desprenderam. Têm algo em si de original, mas é pequeno demais para fazer diferença.
 Eu tinha uma mania de comer migalhas de pão, bolacha , ou de algum alimento que eu quisesse repetir, mas sabia que não podia, ou achava que não podia. Enfim.
E ela sempre falava, e dizia que eu não podia fazer aquilo " porque ia estender esse hábito pra vida."  Eu ria quando ela falava isso, e continuava comendo, achava um absurdo associar coisas tão distintas.
  Mas como todo mundo sabe, mães sempre acertam. E claro que ela tava certa, apesar de parecer muito exagerado pra mim na época.
 Acredito que no fim das contas, maioria dos meus relacionamentos, em diversos níveis, tem essas características das migalhas. Principalmente no nível do coração, começando já nos interesses que as vezes surgem : o que todos tem em comum, é a migalha de atenção que foi dada na hora da fome.
 Pronto, tá feito o estrago. Mesmo sabendo que não satisfaz, a gente fica ali, porque sim, É melhor do que nada.
 Vc já passou fome? Mesmo que seja por apenas algumas horas? Eu só passei nessas circunstâncias de horas, graças a Deus.
 Bom, se com fome, e sem condição ou perspectiva de alimento, alguém te oferecer um pedaço de qualquer coisa, você não vai aceitar?
  Te digo que vai.E ainda vai ficar muito grato. Vai comer como se fosse o último pedaço de comida que existe, e como se sua vida dependesse daquilo. Vai pensar que aquela pessoa que te deu aquilo, por menor e menos nutritivo que seja, “ salvou sua vida”, te deu um alívio momentâneo pelo menos, numa hora que parecia que você de fato poderia desmaiar, ou ter algum efeito mais sério além do desconforto e angústia.
  Parece exagero comparar comida e afeto? Mas não é.
Nós precisamos de ambos para viver, e nem preciso comentar sobre isso. Também não preciso comentar que com o tanto de distúrbios emocionais e alimentares, nós não sabemos lidar bem com nenhuma das duas necessidades. 
  De forma geral, tudo hoje nos impulsiona ao desejo de ser autossuficiente.  Utopia total isso. Toda essa história de desapego, autossuficiência, me parece mais uma armadura, de quem não quer admitir que tem fome de afeto.
 Porque todo mundo tem, mas quase ninguém assume. Parece fraqueza. E temos mania de parecer fortes (...) 
 Mas te digo : quando você não assume tá muito mais suscetível a receber e se agarrar as migalhas de afeto do que os que são conscientes que tem fome.
 Isso porque quem tem fome sabe que aquilo não satisfaz, então por mais que se sinta agradecido e tal, vai continuar buscando algo mais substancial.
  Quem não sabe que tá com fome só sente que aquela bendita migalha, supre algo que  ela nem sabia que existia em si mesma. Faz bem, então a pessoa encara como um bônus.
 Só não percebe que a fome nunca diminui.
 continua....

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